Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou um acordo de solução consensual firmado entre o Ministério de Minas e Energia (MME), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Barra Bonita Óleo e Gás Ltda (vinculada à Tradener Serviços em Energia Ltda). O acordo teve como objeto a repactuação do contrato celebrado com a Tradener referente à operação da Usina Termelétrica de Energia (UTE) Barra Bonita, em São Paulo.
A contratação dessa UTE ocorreu em 2021, em um contexto de grave crise hídrica. Este cenário motivou a realização de um leilão emergencial para contratação – o Procedimento de Contratação Simplificado (PCS) nº 01/2021 – visando justamente o fornecimento de energia de forma complementar à capacidade de geração das hidrelétricas, cujos reservatórios sofriam com a escassez de chuva.
Quando da realização do PSC, foi estabelecido que o fornecimento da energia de reserva se daria entre 2022 e 2025. No entanto, a crise hídrica encerrou-se antes do esperado, em 2022, e os bons índices dos reservatórios das hidroelétricas se mantiveram ao longo de 2023. Consequentemente, cessou-se a necessidade de fornecimento de energia complementar previstos nos contratos firmados em 2021 – incluindo, aqui, a contratação da UTE Barra Bonita1.
Apesar da profunda alteração fática vivenciada, a quantidade de energia elétrica produzida pela UTE não se alterou. Isso porque os termos do contrato fixavam a obrigação de produzir uma quantidade predeterminada de energia, sem levar em conta eventuais variações na demanda, muito menos possíveis alterações nas condições de mercado.
Essa inflexibilidade contratual, então, representa o cerne da discussão da proposta de solução consensual no âmbito do TCU2. Em linhas gerais, o Tribunal ponderou que não havia mais demanda para o volume de energia contratado emergencialmente, de modo que a manutenção dos termos contratuais nesses moldes acarreta custos elevados a serem revertidos para os consumidores.
Nesse sentido, a Corte de Contas entendeu que os preços estabelecidos no contrato firmado em 2021 não se equiparam às tarifas mais competitivas disponíveis atualmente no mercado. Por este motivo, a discussão dos termos da solução consensual girou em torno da necessária flexibilização contratual, a fim de otimizar a gestão da oferta energética de reserva pela UTE Barra Bonita.
Um dos grandes desafios enfrentados nesse caso – que perpassa o consensualismo no âmbito da Administração Pública em geral – foi justamente alcançar uma solução que atendesse a todos os interesses envolvidos, mediante a preservação dos contratos. Assim, foi necessário atender (i) o interesse público de obtenção de uma oferta de energia mais barata, oriunda de outra fonte energética; e (ii) o interesse do empreendedor em não sofrer prejuízos oriundos da solução pactuada.
Sob essa ótica, foi identificado uma oportunidade para celebração de Termo de Autocomposição (TAC) com medidas voltadas para a flexibilidade contratual3 e a proteção dos interesses da sociedade. De acordo com o TCU, o benefício financeiro ao consumidor será de mais R$ 7 milhões e, acrescido da multa de R$ 9 milhões fixada, o benefício líquido total resultante do acordo de solução consensual será de R$ 16,9 milhões.
Além da redução dos custos operacionais associados à produção de energia derivada de combustíveis fósseis, a redução na quantidade de energia a ser produzida pela UTE Barra Bonita acarretará um alinhamento com as necessidades reais do mercado. Em última análise, a solução mediada pela Corte de Contas representa a busca por maior sustentabilidade econômica e ecológica no âmbito do setor energético brasileiro.
Além da inflexibilidade contratual, outra controvérsia solucionada diz respeito à aplicação de multa contratual motivada pelo atraso na produção de energia pela UTE Barra Bonita, estimada em R$13,9 milhões. Isto é, além da rigidez das cláusulas contratuais, também havia um problema de capacidade produtiva por parte da usina que era objeto de conflito administrativo no âmbito da Aneel, tendo sido encerrado com a assinatura do acordo de solução consensual no TCU.
Desse modo, a conclusão de mais um acordo de solução consensual referente à produção de energia contratada emergencialmente representa um importante passo para a conclusão da situação de crise energética enfrentada recentemente no país. Conforme o voto do ministro relator, Benjamin Zymler, em casos que o direito positivo impede o alcance de um resultado necessário, a solução consensual se mostra como a única alternativa viável para atender aos interesses público e privado envolvidos.
A equipe de Direito Público do Bocater Advogados continuará acompanhando a temática e está à disposição para mais esclarecimentos sobre o assunto.
1- O caso da UTE Barra Bonita não é o primeiro a ser objeto de solução consensual no âmbito da Corte de Contas. Cita-se, por exemplo, o acordo firmado em dezembro de 2023 com a empresa KPS, que adquiriu quatro termoelétricas quando da realização do PSC de 2021.
2- A proposta foi apresentada pelo ministro de Minas e Energia.
3- Dentre as medidas adotas no TAC, destacam-se (i) a manutenção da capacidade de geração das sete unidades geradoras da UTE Barra Bonita; (ii) a concessão de 8,74% de desconto no preço total (Receita Fixa Anual); (iii) o pagamento de multa fixada em R$ 9 milhões de reais ao fim dos processos em andamento junto à Aneel e à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE); e (iv) o despacho da usina apenas por ordem de mérito, no âmbito do Contrato de Energia de Reserva (CER).