Em 09 de março o Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) julgou a Tomada de Contas Especial (TCE) 000.006/2017-3, de relatoria do ministro Antônio Anastasia, que, de maneira incidental, tratou da prescritibilidade da pretensão ressarcitória e da pretensão punitiva no âmbito do controle externo, à luz da jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal (STF).
Atualmente, o TCU sustenta a aplicação do prazo prescricional de 10 anos para o exercício da sua pretensão punitiva, com base no art. 205 do Código Civil, segundo as diretrizes aprovadas pelo Acórdão nº 1441/2016-TCU-Plenário. No que se refere à pretensão ressarcitória, a Corte de Contas defende que são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário, nos termos da Súmula 282 do TCU.
Estes entendimentos, contudo, não estão em linha com a atual jurisprudência firmada pelo STF sobre a matéria.
A Suprema Corte vem se posicionando no sentido de que a prescrição punitiva do Tribunal de Contas da União é administrativa e regulada integralmente pela Lei nº 9.873/1999, e não pelo Código Civil. Desse modo, deve o TCU submeter-se ao prazo prescricional de 5 anos previsto em diversos dispositivos legais, dentre os quais: Decreto nº 20.910/32; Código Tributário Nacional, arts. 168, 173 e 174; Lei nº 6.838/80, art. 1º; Lei nº 8.112/90, art. 142, I; Lei nº 8.429/92, art. 23; Lei nº 12.529/2011, art.46[1].
No que se refere à pretensão ressarcitória da Corte de Contas, o STF também já decidiu que esta ocorre no prazo de 5 anos, rechaçando a tese da imprescritibilidade sustentada pelo TCU.
No julgamento do RE nº 636.886 (Tema 899), de repercussão geral, o STF fixou que “é prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas”, aplicando o prazo de 5 anos para execução de acórdão no Tribunal de Contas da União, com base no artigo 174 do Código Tributário Nacional c/c art. 40 da Lei 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal)[2].
Contudo, relevantes questões debatidas nos processos junto aos Tribunais de Contas deixaram de ser abordadas pelo STF, especialmente em relação ao marco inicial da prescrição, as causas de sua interrupção e o próprio prazo para a instauração do processo na Corte de Contas. Assim, abriu-se novamente caminho para discussão da matéria, sendo de grande relevância a elucidação dessas incertezas e indefinições ante a frequente arguição da prescrição do direito de imputação de débito e multa nos processos em trâmite no TCU.
Com efeito, o TCU vem negando de forma sistemática a aplicação do entendimento do STF, decidindo pela imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento de dano ao erário antes da instauração de tomada de contas especial e que o prazo de 5 anos reconhecido pelo Supremo no tema 899 seria apenas em relação à execução de decisão condenatória.
Nesse contexto, nos autos do processo TC nº 000.006/2017-3, o ministro revisor Walton Alencar Rodrigues determinou à Secretaria-Geral de Controle Externo a formação de um grupo técnico de trabalho para que, em processo apartado, apresente projeto normativo com vistas a disciplinar o tema da prescrição no âmbito do TCU, diante da necessidade de se firmar um entendimento pacificado sobre o assunto em consonância com o entendimento do STF.
No estudo deverão ser enfrentados aspectos fundamentais como o termo inicial da prescrição, hipóteses de suspensão e interrupção do prazo prescricional, além de situações em que ocorra a prescrição intercorrente, levando em conta as especificidades das diversas formas de atuação do TCU.
Também serão observados, no decorrer da análise do grupo, os possíveis impactos que cada hipótese de prescritibilidade poderia causar nos processos em curso no Tribunal, em especial aqueles de maior efeito sobre os valores a serem ressarcidos. Esta disposição insurge questionamentos sobre o possível emprego de uma análise consequencialista no estudo do grupo de trabalho, e até que ponto essa análise se sobreporia à uma análise jurídica da hipótese mais concordante com o ordenamento jurídico contemporâneo.
O projeto normativo com a regulamentação da temática da prescrição deverá ser apresentado ao Colegiado no prazo máximo de 4 meses. Até que o Tribunal aprove o referido projeto, será mantido o entendimento atual da Corte de Contas quanto à imprescritibilidade de ações de reparação de dano ao erário, bem como a aplicação da prescrição decenal da pretensão punitiva.
A equipe de Direito Público do Bocater, Camargo, Costa e Silva e Rodrigues Advogados continuará acompanhando os desdobramentos do tema e se coloca à disposição para esclarecimentos adicionais.
[1] Vide Mandados de Segurança n° 32201/DF, 35.940/DF, 35.512-AgR, 35.294/DF, 34.256/DF, 34.705/DF, 35.536, 35.815/DF, 35.940/DF, 35.971/DF, 37.173/DF, 36.799/DF 32.201/DF, 36.067/DF, MS 35.294/DF, 35.208/DF, 37.519/DF, 36.054/DF, 36.067/DF, 37.089/DF, 37.423/DF, 35.530/DF, 36.800/DF, 36.668/DF e 37.292/DF.
[2] “EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL. EXECUÇÃO FUNDADA EM ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRESCRITIBILIDADE. 1. A regra de prescritibilidade no Direito brasileiro é exigência dos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal, o qual, em seu sentido material, deve garantir efetiva e real proteção contra o exercício do arbítrio, com a imposição de restrições substanciais ao poder do Estado em relação à liberdade e à propriedade individuais, entre as quais a impossibilidade de permanência infinita do poder persecutório do Estado. 2. Analisando detalhadamente o tema da “prescritibilidade de ações de ressarcimento”, este SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL concluiu que, somente são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/1992 (TEMA 897). Em relação a todos os demais atos ilícitos, inclusive àqueles atentatórios à probidade da administração não dolosos e aos anteriores à edição da Lei 8.429/1992, aplica-se o TEMA 666, sendo prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública. 3. A excepcionalidade reconhecida pela maioria do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no TEMA 897, portanto, não se encontra presente no caso em análise, uma vez que, no processo de tomada de contas, o TCU não julga pessoas, não perquirindo a existência de dolo decorrente de ato de improbidade administrativa, mas, especificamente, realiza o julgamento técnico das contas à partir da reunião dos elementos objeto da fiscalização e apurada a ocorrência de irregularidade de que resulte dano ao erário, proferindo o acórdão em que se imputa o débito ao responsável, para fins de se obter o respectivo ressarcimento. 4. A pretensão de ressarcimento ao erário em face de agentes públicos reconhecida em acórdão de Tribunal de Contas prescreve na forma da Lei 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal). 5. Recurso Extraordinário DESPROVIDO, mantendo-se a extinção do processo pelo reconhecimento da prescrição. Fixação da seguinte tese para o TEMA 899: “É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas. (RE 636.886/AL, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 24.06.2020.)