A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) validou, em 28 de agosto, cláusula compromissória de arbitragem, existente em contrato celebrado por duas empresas, a qual previa a competência de órgão arbitral para julgar disputas provenientes desse contrato que não ultrapassassem R$ 100 mil em custas procedimentais (apelação n.1107427-98.2021.8.26.0100).
Na ação originária, a empresa autora pretendeu executar cláusula de arbitragem que considera patológica – ou seja, aquela contaminada com vícios, que não consegue executar suas funções essenciais –, razão pela qual formulou pedido para suprimir tal patologia, a partir da intervenção do Judiciário, na forma do art. 7º da Lei de Arbitragem.
A empresa ré, por outro lado, em sua contestação, alegou que tal cláusula de arbitragem não era patológica, mas apenas de natureza mista, eis que continha uma série de limitações à resolução de disputas pela via arbitral. Ademais, asseverou que essa cláusula não previa a arbitragem como meio exclusivo para resolução de disputas, mas apenas como sendo o meio preferencial, desde que o seu custo não ultrapassasse o limite de R$ 100 mil.
Ainda, segundo a ré, a autora teria ajuizado a ação judicial apenas após a Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – Brasil (Camarb), em procedimento arbitral travado entre as duas empresas, ter extinto a arbitragem sem resolução do mérito em razão dos limites de custas previstos contratualmente. Nesse sentido, defendeu que o Poder Judiciário deveria respeitar a decisão do Tribunal Arbitral quanto à sua decisão sobre competência.
A título de curiosidade, confira-se trecho da cláusula compromissória celebrada entre as duas empresas, a qual, de fato, diga-se de passagem, gera margem a muitas dúvidas de interpretação e da intenção das partes ao celebrá-la:
“13. DIREITO E FORO APLICÁVEIS
13.1 Direito e Foro Aplicáveis. Qualquer litígio, questão, dúvida ou desacordo de qualquer natureza direta ou indiretamente relacionada com o presente Contrato(“Conflito”), envolvendo qualquer um dos subscritores (“Partes envolvidas”), será, preferencialmente, decidido com o recurso à arbitragem. Todo e qualquer litígio advindo da interpretação ou execução do presente Contrato deverá ser realizada na cidade de São Paulo, República Federativa do Brasil, seja frente ao Poder Judiciário ou a Tribunal Arbitral, que pode ser escolhido pelas Partes, as quais designarão razoavelmente a realização de atos específicos noutras localidades e, inclusive, fixarão o valor máximo de custas arbitrais, as quais não podem superar o valor total de R$100.000,00 (cem mil reais). A arbitragem será conduzida em Português.13.2 A arbitragem deverá ser efetuada de acordo com a lei, aplicando, em termos de constituição e procedimento, o Regulamento da Câmara de Arbitragem Empresarial– CAMARB, que é considerado incorporado no presente Contrato, mesmo que esta não seja a câmara de arbitragem a ser utilizada, mas as regras e princípios da ordem jurídica da República Federativa do Brasil.13.3 A arbitragem deverá ser conduzida e realizada por três árbitros, inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), indicados livremente pelas partes, ainda que não pertençam ao referido Conselho de Administração, seguidos dos termos do Regulamento citado.(…)
Ao examinar o caso, o Juízo da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem do Foro Central da Comarca de São Paulo julgou procedente a demanda, para, entre outros pontos, determinar a extinção do processo, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil (CPC); e designar o Centro de Mediação e Arbitragem da Câmara Portuguesa de Comércio no Brasil para solução do litígio.
Na sentença, o magistrado compreendeu que o fato de a Camarb se recusar a aceitar a causa pelo valor limite de R$ 100 mil não significa a inexistência de jurisdição arbitral, mas, apenas, a impossibilidade da utilização daquela câmara específica.
Indo além, consignou que “o tribunal arbitral deixa claro que a opção por não autorizar o prosseguimento do procedimento arbitral está adstrita ao âmbito da CAMARB, sem que haja repercussão em relação às outras câmaras ou ao Poder Judiciário” e que “a cláusula compromissória não determina que a arbitragem deva ser realizada especificamente perante a CAMARB, mas, apenas, que deve ser regida pelo seu regramento (cláusula 13.2)”.
Desse modo, concluiu que, diante da recusa da Camarb em processar e julgar o procedimento arbitral, a causa deveria ser levada por tribunal que integre câmara diversa, aplicando o regulamento da Camarb.
Ocorre que, interposta a apelação pela empresa ré, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo firmou entendimento distinto ao do magistrado de primeira instância, tendo dado provimento ao recurso de apelação e julgado improcedente a demanda originária.
No entendimento do colegiado, o “Tribunal Arbitral já se manifestou a respeito do conteúdo da cláusula compromissória firmada entre as partes, devendo ser adotado sua interpretação em prestígio ao princípio do kompetenz-kompetenz”.
Além disso, compreendeu a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, em análise dos autos de origem, que houve a formalização de um nítido compromisso arbitral entre as partes com o objetivo de dirimir conflito perante a CAMARB.
Discussões quanto à interpretação da cláusula compromissória à parte, o caso concreto narrado evidencia novamente a necessidade de cuidado que os advogados devem ter ao redigir cláusula compromissória em seus contratos.
A falta de zelo na redação da cláusula arbitral dificulta ou, muitas vezes, impede a instituição da arbitragem quando surge o conflito entre as partes.
No jargão popular da arbitragem, a cláusula arbitral patológica – aquela de redação incompleta, esdrúxula ou contraditória, que não permite aos litigantes a constituição do órgão arbitral – é costumeiramente apelidada de midnight clause, exatamente por ser preparada no último momento da negociação, logo antes da assinatura do contrato.
Essa prática, no entanto, deve ser evitada. O histórico de precedentes no Poder Judiciário tem demonstrado que discussões como a travada na apelação n. 1107427-98.2021.8.26.0100 são ainda muito comuns no dia a dia forense, razão pela qual recomenda-se sempre o apoio de advogados com experiência no contencioso e arbitragem, quando da celebração das cláusulas compromissórias arbitrais.