Boletim Bocater

Soluções consensuais de conflitos no âmbito do TCU

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O Tribunal de Contas da União (TCU) iniciou o ano de 2023 implementando mudanças na sua estrutura interna. O principal objetivo foi ajustar sua arquitetura organizacional à estratégia estabelecida para os próximos anos, maximizando os resultados a serem entregues à sociedade.

Uma das grandes inovações foi a criação da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso), buscando promover soluções consensuais para controvérsias relevantes e prevenir conflitos entre órgãos e entidades da Administração Pública Federal. A nova unidade integra a estrutura da Secretaria-Geral de Controle Externo (Segecex) e possui competência para desenvolver, propor, sistematizar e avaliar propostas de solução consensual, nos termos da Instrução Normativa (IN) nº 91/2022-TCU.

Para tanto, deverá ser autuado processo de Solicitação de Solução Consensual (SSC) a partir de requerimento formulado pelas autoridades legitimadas[1], o qual deverá ser encaminhado à SecexConsenso para análise prévia de admissibilidade. Em seguida, caberá ao presidente do TCU decidir sobre a conveniência e a oportunidade da admissibilidade do processo de SSC.

Confirmada a admissibilidade e sendo alcançada uma solução consensual entre as partes, o processo é encaminhado para manifestação prévia do Ministério Público junto ao TCU (MPTCU). Ato contínuo, segue para sorteio do relator e submissão do feito ao Plenário. O processo se encerra com a formalização da solução, firmada pelo presidente do TCU e o dirigente máximo da entidade envolvida.

A busca por soluções consensuais, nesse sentido, possui relação direta com o exercício do papel pedagógico e orientador da Corte de Contas. Contudo, não é uma novidade no âmbito da Administração Pública.

A Lei nº 13.140/2015 já versava sobre essa possibilidade ao permitir a autocomposição como meio de solução de controvérsias entre particulares e a administração pública. Cite-se, ainda, a Lei nº 13.655/2018, que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro para permitir a celebração de compromissos com interessados para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público.

No âmbito do próprio TCU, inclusive, houve um caso anterior à criação da SecexConsenso em que o Tribunal atuou junto à Concessionária Rota do Oeste S.A. (CRO), ao Governo de Mato Grosso e à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para alcançar uma solução consensual entre as partes, em razão dos inadimplementos contratuais incorridos pela CRO ao longo da execução do contrato de concessão da BR-163/MT. Este caso foi objeto de Newsletter anterior, que pode ser acessada neste link.

Veja-se, portanto, que a implementação da cultura do consensualismo é um dos objetivos contemporâneos da Administração Pública, sendo agora uma das prioridades da gestão do presidente do TCU, ministro Bruno Dantas.

Destaca-se que já estão em curso na SecexConsenso dois processos de SSC, ambos formulados pela ANTT. O primeiro trata-se de solicitação de solução consensual referente ao processo de devolução do trecho ferroviário entre Presidente Prudente (SP) e Presidente Epitácio (SP) e seu respectivo cálculo de indenização[2]. O segundo visa a solução consensual de controvérsia relevante e prevenção de conflitos relacionados à proposta de atualização do Caderno de Obrigações da Concessionária Rumo Malha Paulista (RMP), pactuado por ocasião da prorrogação antecipada do contrato de concessão[3].

A criação da SecexConsenso e a regulamentação de procedimentos de solução consensual pelo TCU representam, desse modo, a adoção de medidas que zelam pela segurança jurídica e valorizam o diálogo institucional entre a administração pública e particulares. Privilegia-se, assim, a instauração de ações consistentes em métodos alternativos de resolução de litígios de forma célere e com vistas a dar uma maior efetividade ao interesse público, em detrimento da autuação massiva e custosa de processos sancionadores pelo TCU.

Sem prejuízo ao exposto, fato é que a institucionalização desses procedimentos ainda é muito recente, havendo dúvidas sobre sua eficiência e operacionalização. Um dos questionamentos diz respeito a quais operações serão privilegiadas na prática, visto que a admissibilidade da SSC depende de um exame discricionário do presidente do TCU.

Deve-se atentar para não haver uma interferência do Tribunal na escolha da melhor solução, que deve ser feita consensualmente pelos agentes envolvidos e objeto de fiscalização a posteriori pelo TCU. Ressalta-se que há uma limitação dos agentes que poderão requerer a SSC – deixando de fora, por exemplo, as concessionárias –, estreitando o acesso à via consensual no âmbito da Corte de Contas.

Levando em conta que muito se critica o alargamento em seu escopo de atuação, também se indaga se o TCU, na condição de um “terceiro” que não acompanhou a execução do contrato e tampouco possui as informações completas do contexto da negociação, seria eficaz para auxiliar a obtenção de uma solução consensual entre as partes. Essa preocupação é mais latente nos setores em que há uma maior ênfase na regulação contratual – rodovias, aeroportos, saneamento.

Nesse sentindo, os esforços do órgão de controle para se inserir no diálogo entre as partes da relação contratual pode trazer bons resultados. Não obstante, em outros, mecanismos de solução de controvérsias endocontratuais, como a criação de um comitê de disputas constituído antes mesmo da celebração do contrato, podem ter mais êxito para alcançar uma solução mais célere e eficaz, sem precisar da interferência do TCU.

O acompanhamento dos processos de SSC que já estão em tramitação, portanto, é essencial para avaliar como se dará a atuação da Corte de Contas e a eficácia prática dessas medidas, que certamente impactarão no êxito de futuros procedimentos de solução consensual com a Administração Pública.

A equipe de Direito Público do Bocater, Camargo, Costa e Silva e Rodrigues Advogados continuará acompanhando os procedimentos de solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos perante o TCU e permanece à disposição para esclarecimentos adicionais.

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[1] Conforme a IN nº 91/2022, podem formular a SSC: presidente da República, ministros de Estado ou autoridades do Poder Executivo federal de nível hierárquico equivalente; presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal; dirigentes máximos das agências reguladoras; comandantes das Forças Armadas; procurador-Geral da República; advogado-Geral da União; presidentes de comissão do Congresso Nacional ou de suas casas; e presidentes de tribunais superiores. Além disso, os ministros relatores de processos do TCU também poderão propor a solução consensual.
[2] Trata-se do processo de Solicitação de Solução Consensual nº 000.855/2023-5, que tem por objetivo dar nova destinação ao segmento ferroviário, evitando fatores de antieconomicidade, degradação e ociosidade. A controvérsia central diz respeito à metodologia de cálculo dos passivos patrimoniais decorrentes da ausência de manutenção e conservação por parte das concessionárias e subconcessionárias ferroviárias, para fins de indenização do trecho a ser devolvido.
[3] Trata-se do processo de Solicitação de Solução Consensual nº 000.853/2023-2, em que se discute a possibilidade de alteração de parte dos investimentos previstos, com nova alocação dentro da malha ferroviária ou via investimento cruzado, o que manteria as vantagens das condições da prorrogação. A nova alocação permitiria a execução de outros investimentos relevantes na própria malha ou mesmo em outras ferrovias, alcançando o setor como um todo.

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