O custeio da gestão administrativa das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) irá agora passar por profundas mudanças com a publicação da Resolução nº 62 no Diário Oficial da União em 19 de dezembro de 2024.
O normativo, que substitui a Resolução CNPC nº 48, de 2021, introduz mudanças significativas em três áreas principais: as regras do Plano de Gestão Administrativo (PGA), a criação e gestão do fundo administrativo compartilhado e o custeio administrativo das entidades patrocinadas por órgãos públicos. Essas alterações visam aprimorar a gestão e a transparência no setor.
É sempre relevante ter claro que o custo da gestão administrativa consome recursos que poderiam ser utilizados para acumulação de “reservas que garantam o benefício contratado”, na feliz expressão contida no art. 202, caput da Constituição Federal. A intervenção estatal, por meio da regulação do tema, é relevante para evitar o desvirtuamento das contribuições de participantes ativos, assistidos e patrocinadores.
O PGA, na definição da nova Resolução, corresponde ao registro contábil das movimentações financeiras relativas à gestão administrativa dos planos de benefícios das EFPC, conforme critérios definidos pela entidade em regulamento próprio (art. 1º, VIII).
A partir da diferença apurada entre as fontes do custeio administrativo e as despesas da gestão administrativa, constitui-se o fundo administrativo dos planos de benefícios (art. 1º, V), cujos recursos pertencem aos respectivos planos de benefícios.
A atualização normativa não promoveu alterações nas formas de utilização do fundo administrativo, que poderá custear: (i) aprimoramentos nos processos de gestão e reestruturação da entidade que não impliquem aumento das despesas fixas; (ii) despesas da gestão administrativa, quando superiores às receitas administrativas; e (iii) operações de fomento e inovação.
Por meio da Resolução 62, houve a definição de critérios mais claros para utilização do fundo administrativo compartilhado com a finalidade de empreender o fomento e a inovação das EFPC. Destaca-se, nesse sentido, a introdução de definição normativa para a operação de fomento e inovação, que compreende “entre outras, as operações destinadas à cobertura de gastos com prospecção, desenvolvimento, tecnologia, implantação e ampliação de planos de benefícios de previdência complementar” (art. 2º, VI).
A utilização de recursos do PGA com essa finalidade estará condicionada à prévia constituição de fundo administrativo compartilhado, sem registro de sua participação nos planos de benefícios administrados pelas EFPC (art. 2º, V). Em outras palavras, é um fundo autônomo da gestão dos planos de benefícios, tendo como finalidade específica o fomento e a inovação. O racional dessa regra é poder dotar a entidade de meios para oferecer planos novos e captar mais patrocinadores, instituidores e participantes.
Com a edição da Resolução 62, esse fundo compartilhado deixa de corresponder a mera parcela do fundo administrativo1, devendo ser constituído de forma desvinculada do fundo administrativo dos planos de benefícios (art. 8º, caput da Resolução 62).
A constituição do fundo compartilhado, mediante aprovação do Conselho Deliberativo da EFPC (art. 15, III), deverá ser precedida da segregação de valores suficientes para funcionamento da entidade e operação dos planos de benefícios por período mínimo de 12 (doze) meses (art. 8º § 1º) e de estudo de viabilidade da gestão administrativa, realizado com parâmetros prudenciais e conservadores (art. 9º).
A partir da vigência do novo normativo do CNPC, os valores integrantes dos fundos administrativos constituídos até 31.12.2024 poderão ser destinados à constituição do fundo compartilhado, observados os limites dispostos nas alíneas do art. 8º, I da Resolução 62. A partir do encerramento do exercício de 2025, o montante correspondente ao saldo do fundo administrativo constituído no exercício anterior poderá ser destinado integral ou parcialmente ao fundo administrativo compartilhado (art. 8ª, III).
O fundo compartilhado poderá ser constituído, ainda, pela destinação antecipada das receitas da gestão administrativa efetivamente recebidas. No caso das receitas diretas, i.e., os recursos provenientes da gestão da EFPC – compreendendo aqueles recebidos de seguradoras, ganhos na venda de imobilizado, publicidade e outras parcerias comerciais com terceiros (art. 4º) – poderá haver destinação integral ou parcial aos fundos compartilhados. No caso das demais receitas, tal destinação deverá observar o limite de 5% das receitas administrativas efetivamente recebidas (art. 8º, II, “a” e “b”).
A Resolução 62 introduz limite ao valor do fundo compartilhado, que não poderá ultrapassar 30% (trinta por cento) do somatório do saldo do fundo compartilhado e do saldo do fundo administrativo dos planos de benefícios. Caso o limite seja ultrapassado, a entidade fica impedida de destinar recursos adicionais ao fundo compartilhado e terá prazo até o encerramento do segundo exercício subsequente para promover adequação (art. 10).
Foram introduzidos requisitos normativos para elaboração do orçamento anual e plurianual (arts. 5º e 6º) e do regulamento do PGA (art. 7º) pelas EFPC, bem como critérios mais detalhados de controle e transparência, com ampliação das exigências para divulgação ativa de informações referentes ao custeio administrativo por meio do Relatório Anual de Informação e do sítio eletrônico das entidades (arts. 17 e 18).
Houve ampliação, ainda, do dever de transparência da PREVIC, que deverá divulgar, entre outras informações, detalhados indicadores de gestão para acompanhamento, comparação e controle, considerando a segmentação por porte e complexidade das EFPC (arts. 14 e 19).
O prazo para que as entidades adequem os regulamentos do PGA e o registro de recursos no fundo compartilhado aos critérios da Resolução 62 é de 1 (um) ano, contado da vigência do normativo.
Destaca-se, adicionalmente, que a Resolução 62 promove alterações aos critérios de custeio administrativo aplicáveis às EFPC e planos de benefícios regidos pela Lei Complementar nº 108, de 29.05.2001 (LC 108), i.e., aqueles patrocinados pelo setor público.
Em que pese não haver modificação aos limites anuais de até 1% de taxa de administração e até 9% de taxa de carregamento estipulados pela Resolução 48, o novo normativo esclarece que os planos de benefícios que adotarem ambas as taxas de forma combinada deverão observar o limite anual delimitado para uma delas e apurar a equivalência dos valores recebidos referentes à outra taxa (artigo 20, parágrafo 1º).
No caso de entidades e planos já constituídos que não cumprem tais limites anuais, a Resolução estabelece prazo de cinco anos, contados do exercício subsequente à sua vigência, para adequação (artigo 20 parágrafo 4º). No caso de entidades e planos regidos pela LC 108 que iniciarem seu funcionamento após a vigência da Resolução 62, o prazo para adequação aos limites anuais é de dez anos (artigo 20, parágrafo 5º)
Destaca-se, por fim, a inclusão de determinação expressa de que, havendo recebimento de valores antecipados para custeio administrativo de entidades ou planos relativos ao regime de previdência complementar dos servidores públicos (nos termos do art. 40, § 14 da Constituição Federal), deverá haver compensação ou devolução de tais recursos ao patrocinador “na forma e prazo estipulados em sua lei de instituição” (art. 22).
Tem-se aqui um tema que suscita alguma polêmica e diz respeito à obrigatoriedade ou não de devolução da dotação inicial para planos e entidades que tem por objetivo atender à regra constitucional, que obriga a oferta de planos de previdência complementar aos servidores públicos estatutários.
Em nossa opinião, a regra da paridade contributiva não abrange o custeio administrativo, sobretudo a dotação inicial para que o plano ou a entidade possa ganhar escala e manter-se sem a necessidade de aportes patronais não paritários.
Nossa posição acabou prevalecendo em recente julgamento do Tribunal de Contas de Minas Gerais:
REPRESENTAÇÃO. ENTIDADE FECHADA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. FUNDAÇÃO PÚBLICA DE DIREITO PRIVADO. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL. APORTE INICIAL. DOTAÇÃO ESPECIAL. ENTE FUNDADOR. PARIDADE CONTRIBUTIVA. NÃO SE APLICA. LEGALIDADE. IMPROCEDÊNCIA. ARQUIVAMENTO.
O princípio da paridade contributiva não se aplica ao aporte realizado pelo Estado de Minas Gerais à Prevcom/MG, autorizado pelo art. 31 da Lei Complementar estadual nº 132/14, uma vez que tal dispêndio não tem natureza de contribuição, representando, na verdade, dotação especial destinada à instituição de fundação pública, notadamente, para a cobertura de despesas referentes ao custeio de implantação/criação da entidade fechada de previdência complementar, no âmbito estadual. (Processo nº 1141243, decisão de 20.08.2024)
Em nossa visão, a Resolução 62 avançou bastante, admitindo esse entendimento. A decisão do custeio da dotação inicial será definida pelo ato legislativo que instituir o regime de previdência complementar dos entes federados. A expressão do artigo 22 – “na forma e prazo estipulados em sua lei de instituição” – leva a entender que se a forma for a não devolução, esta prevalecerá.
A Resolução 62 entra em vigor no dia 24 de março, revogando a Resolução 48, bem como os artigos 24 a 29 da Resolução CNPC nº 43, de 6 de agosto de 2021.
1- Conforme esclarecimento constante no item 1.15 do “Perguntas e Respostas – Aspectos Contábeis e de Auditoria” da Superintendência Nacional de Previdência Complementar-Previc.