Em dezembro de 2024 foi aprovado, pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (DF), o Projeto de Lei (PL) nº 1.455/2024, que veiculava autorização para o Poder Executivo distrital realizar a cessão onerosa de direitos creditórios originados de créditos tributários e não tributários, inscritos em dívida ativa: a securitização da dívida ativa. A aprovação deu origem à Lei distrital nº 7.638/20241.
De acordo com o texto da nova norma, a securitização terá como objeto direitos creditórios constituídos e que tenham sido reconhecidos pelo devedor. Ao contrário da Lei Complementar nº 208, que não dispôs sobre o que seria possível compreender como sendo créditos “reconhecidos”, a lei do DF elencou rol exemplificativo, mencionando as seguintes formas de reconhecimento: (i) transação tributária; (ii) negócio jurídico processual; (iii) confissão de dívida; (iv) adesão a programa de parcelamento; (v) declaração fiscal sem recolhimento da obrigação tributária; (vi) lançamento tributário não impugnado na fase administrativa e sem cabimento de reclamação ou recurso; ou (vii) qualquer outra forma de reconhecimento expresso pelo devedor.
Observa-se que, ao apresentar esse rol, a lei do Distrito Federal, em algumas das hipóteses elencadas, listou eventos que parecem não corresponder ao que se enquadraria como reconhecimento do débito pelo devedor, passíveis de securitização, tais como o lançamento tributário não impugnado e o negócio jurídico processual. Dessa maneira, a norma pode vir a ser questionada sob o argumento de extrapolação do que foi estabelecido no âmbito federal.
Por outro lado, em consonância com a Lei federal, a cessão da dívida a ser securitizada foi posta pelo legislador distrital como sendo definitiva e não vinculada a qualquer responsabilidade do governo do Distrito Federal no que diz respeito à obrigação do devedor, de forma que o Poder Executivo não será obrigado a pagar o cessionário, adquirente dos direitos, em caso de inadimplência.
Em relação à operacionalização no âmbito distrital, a estruturação e implementação da operação que visa emitir e distribuir os valores mobiliários lastreados nos direitos creditórios serão de responsabilidade do Banco de Brasília (BRB)2 que poderá, dentre outros aspectos abordados pela Lei, adquirir ou negociar os direitos creditórios do governo em mercado secundário.
Importa destacar que, assim como exigido pela LC nº 208/2024, no que se refere à destinação de receita proveniente da securitização, a venda de ativos deverá observar a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000)3 – empregando a receita de capital em, ao menos, 50% para despesas associadas ao regime de previdência social e o restante com despesas de investimento, o que permite ao governo antecipar as receitas de forma imediata com a conversão de créditos em recursos financeiros.
Ainda, o governo deverá encaminhar anualmente à Câmara Legislativa um relatório demonstrativo dos créditos cedidos onerosamente para que a cessão seja analisada pela Comissão de Fiscalização, Governança, Transparência e Controle4 e pela Comissão de Economia, Orçamento e Finanças5. As informações que deverão constar no relatório serão prestadas pela estruturadora da operação, que deverá fornecer a precificação dos ativos cedidos, a origem desses ativos, relatórios que atestam a viabilidade econômica e financeira da medida, informações detalhadas da destinação dos recursos arrecadados com as operações e outras informações estabelecidas pela lei. Tais exigências reforçam o compromisso do legislativo em estabelecer métricas de transparência na gestão de recursos públicos e viabiliza que o controle externo aconteça de forma mais eficaz com a governança criteriosa das operações financeiras dos entes federativos.
O processo de criação da Lei distrital decorre da LC nº 208/2024 que permitiu a securitização da dívida ativa pelos entes, com vistas a obter maior eficiência na arrecadação e reduzir o passivo dos cofres públicos. Com o mesmo objetivo do governo do Distrito Federal, no dia 17 de dezembro de 2024, a Assembleia Legislativa do estado do Rio de Janeiro tinha aprovado o Projeto de Lei nº 3.980/2024, que estabelecia diretrizes para a realização de operações de securitização de recebíveis no estado. Entretanto, no dia 17 de janeiro, o PL sofreu veto integral pelo Poder Executivo estadual com motivação fundada em possibilidade de comprometimento da sustentabilidade financeira do erário e da segurança jurídica, entre outros pontos comunicados via ofício.
Iniciativa de regulamentação semelhante – mas que não incorreu na tentativa de elencar hipóteses de reconhecimento do débito pelo devedor – ocorreu no Ceará. O governo sancionou a Lei nº 19.121/24, em 18 de dezembro, com vistas a regulamentar a securitização da dívida ativa, onde créditos serão cedidos para a CearaPar, empresa de economia mista criada para gerir os bens do estado que receberá 5% de remuneração sobre os valores que forem recuperados. A expectativa é de que os demais estados elaborem as próprias legislações a fim de regulamentar o tema.
A aprovação da Lei nº 7.638/2024 no Distrito Federal representa mais um avanço na busca pela eficiência na arrecadação da dívida ativa proposta pelas operações de securitização de recebíveis, ainda que a estrutura da legislação apresente incoerências que podem suscitar questionamentos e gerar insegurança jurídica. Embora a securitização seja uma ferramenta eficaz na antecipação de receita, é essencial que sua regulamentação pelos entes espelhe o que foi delineado pela lei federal para evitar distorções.
A equipe de Direito Público do Bocater Advogados continuará acompanhando a temática e está à disposição para mais esclarecimentos sobre o assunto.
1- “Autoriza o Poder Executivo a ceder, onerosamente, direitos creditórios originados de créditos tributários e não tributários, inscritos em dívida ativa, a pessoas jurídicas de direito privado ou a fundos de investimento regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários e dá outras providências.”
2- “Art. 4º Fica o Governo do Distrito Federal autorizado a contratar o Banco de Brasília S/A – BRB para atuar na estruturação e implementação de operações que envolvam a emissão e distribuição de valores mobiliários, ou outra forma de obtenção de recursos junto ao mercado de capitais, lastreadas nos direitos creditórios a que se refere esta Lei.”
3- A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece normas de finanças públicas voltadas para a gestão responsável dos recursos financeiros dos entes federativos, de forma que o seu amparo é fundamental para a elaboração de legislações a cerca de securitização da dívida ativa.
4- A Comissão de Fiscalização, Governança, Transparência e Controle (CFGTC) exercer o controle contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial dos atos do Poder Executivo, entre outros mecanismos de fiscalização da administração pública.
5- A Comissão de Economia, Orçamento e Finanças (CEOF) analisa a adequação e a repercussão orçamentária e financeira das propostas.