A Resolução nº 5.202, editada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 27 de março de 2025, promoveu algumas modificações importantes na Resolução nº 4.994, de 24 de março de 2022, que regula a aplicação dos recursos garantidores dos planos administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar (EFPC ou fundos de pensão).
A atualização normativa não apenas modificou os critérios quantitativos, como também ampliou o rol de normas qualitativas, reforçando diretrizes e deveres não objetivos a serem observados pelos gestores no processo de investimento no âmbito dos fundos de pensão EFPC.
O CMN, por força de previsão expressa do art. 9º, § 1º da Lei Complementar (LC) nº 109, de 29 de maio de 2001, é o órgão responsável pelo estabelecimento de diretrizes para aplicação de recursos “correspondentes às reservas, às provisões e aos fundos” pelas EFPC.
Em observância ao art. 9º, § 2º da LC 109, que veda o estabelecimento de aplicações compulsórias ou de limites mínimos de aplicação, o CMN edita regulação prudencial de investimentos, definindo diretrizes, requisitos mínimos e limites máximos de investimentos a serem observados pelos fundos de pensão.
Essa regulação prudencial se volta ao gerenciamento dos riscos dos planos e das EFPC. Para tal fim, a regulação do CMN na previdência complementar combina regras de duas naturezas distintas: (i) normas quantitativas, destacando-se os limites de alocação nos segmentos de aplicação, delimitados no Capítulo V da Resolução CMN 4.994; e (ii) normas qualitativas, que indicam padrões de conduta não objetivos a serem observados, sobretudo, ao longo do processo de investimento.
Tivemos a oportunidade de definir o processo de investimento como “a obrigação fiduciária de atuar com rigor técnico compatível com a gestão de seus investimentos (…), materializada com a implementação de métodos e rotinas capazes de identificar e mitigar os riscos para os ativos garantidores dos planos de benefícios (…) para: (i) a tomada da decisão de investir; (ii) o acompanhamento dos investimentos, seja por meio de atos praticados por gestores internos ou externos (terceirizados); e (iii) a tomada de providências caso o gestor de recursos tenha se desviado de seu mandato ou de seus deveres de gestão”1.
Cumpre notar que a introdução de parâmetros qualitativos de conduta no processo de investimento se alinha com os requisitos para o ato regular de gestão, que devem nortear a conduta dos dirigentes em todos os processos decisórios no âmbito das EFPC, na forma do art. 230 da Resolução nº 23 da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc)2.
Por se tratar de padrões de conduta não objetivos, faz-se necessário que o registro documental do processo de investimentos (expressamente exigido pelo art. 7º, § 2º da Resolução CMN 4.994) seja suficiente para comprovar o atendimento das diretrizes normativas.
A necessidade de registros comprobatórios se acentua frente ao contexto fático das autuações de dirigentes por aplicação de recursos “em desacordo com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional” (art. 64 do Decreto nº 4.942, de 30 de dezembro de 2003). A imensa maioria dos autos de infração lavrados pelo órgão de fiscalização se utilizam de regras qualitativas como fundamento legal.
Em relação às inovações introduzidas pelo CMN, a nova redação da Resolução CMN 4.994 passou a exigir que a EFPC observe “os princípios de segurança, rentabilidade, solvência, liquidez, motivação, adequação à natureza de suas obrigações e transparência” (art. 4º, I, grifou-se) e exerça “suas atividades com boa-fé, lealdade, diligência, tempestividade e prudência” (art. 4º, II, grifamos as novas expressões). Verificou-se, portanto, a introdução de deveres relacionados à motivação, tempestividade e prudência nos processos de investimentos dos recursos garantidores dos planos de benefícios.
Para compreensão do dever de motivação, adota-se como paradigma o Direito Público, que prevê tal obrigação como requisito formal aos atos administrativos elencados no art. 50 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, obrigando o administrador a indicar os pressupostos de fato e de direito que motivaram suas decisões. Similarmente, em relação às regras de Direito Privado para administração dos recursos de terceiros, verifica-se relevante o parâmetro para o dever de motivação na Lei das S.A. (Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976), que indica a necessidade de que as operações de incorporação, fusão e cisão sejam motivadas pelo gestor (art. 225, I).
Mais especificamente no âmbito dos fundos de pensão, o dever de motivação se enquadra como diretriz válida para os atos prévios, bem como às decisões tomadas durante e após o processo de investimento, determinando que os gestores indiquem os pressupostos de fato e de direito que fundamentem a fixação, por exemplo, da Política de Investimentos, dos atos de investimento e do exercício da Política de Consequências.
A nosso ver, a exigência de motivação não se trata propriamente de uma inovação normativa, visto que o registro documental do processo de investimentos já era determinado pelo art. 7º, § 2º da Resolução CMN 4.994, sendo a indicação dos pressupostos de fato e de direito um desdobramento da transparência, também exigida pelo normativo em sua redação anterior. No entanto, o detalhamento da regra, com a inclusão expressa no texto normativo, indica a necessidade de maior zelo dos gestores, assegurando que todas as decisões ao longo do processo de investimento sejam devidamente motivadas, com suficiente registro documental.
A tempestividade, por sua vez, é comando que surge do dever de diligência e da obrigação de que os gestores de recursos de terceiros possuam postura proativa – norma de conduta já atribuída pelo Conselho de Valores Mobiliários (CVM), em sua Resolução nº 175, de 23 de dezembro de 2022, ao exigir “o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma dispensar” (art. 106, I).
Exige-se, para tanto, que todas as providências sejam empreendidas dentro do tempo necessário para aproveitar, da melhor forma possível, as oportunidades de investimento, sendo adotados, também em tempo adequado, os atos cabíveis para proteção dos recursos garantidores (por exemplo, revisão periódica da Política de Investimento).
A prudência, por fim, é princípio cuja observância já era determinada pela Previc na fixação da Política de Investimentos (conforme item 31 do Guia de Melhores Práticas em Investimentos). Com a edição da Resolução CMN 5.202, tal princípio passa a ser estabelecido expressamente como dever a ser observado ao longo de todo o processo de investimento.
Trata-se de obrigação cujo paradigma remonta ao Código Civil ao definir ato ilícito como “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dando a outrem (…)” (art. 186, grifou-se).
Na gestão de recursos dos participantes, assistidos e patrocinadores de planos benefícios (cuja relação com os fundos de pensão é de natureza contratual e, portanto, sujeita à legislação civil), a prudência deve ser demonstrada a partir de uma aferição do equilíbrio entre risco e retorno dos investimentos, bem como pela montagem de uma estrutura de diversificação de investimentos que possa comprovar um portfólio consistente com o passivo do plano.
A Resolução CMN 5.202, portanto, ampliou o rol de regras qualitativas, reforçando diretrizes prudenciais a fim de assegurar maior diligência e transparência dos gestores ao longo de todo o processo de investimento. Como reflexo desse aprimoramento regulatório, faz-se necessário que tais agentes adotem postura zelosa no atendimento desses parâmetros não objetivos e na produção de registro documental capaz de comprovar o integral cumprimento desses deveres.
1- RODRIGES, Flavio M. Riscos Jurídicos dos Investimentos dos Fundos de Pensão. 2009: Ed. ABRAPP.
2- Art. 230 (…) § 1º Considera-se ato regular de gestão (…) aquele praticado por pessoa física:
I – de boa-fé, com capacidade técnica e diligência, em cumprimento aos deveres fiduciários em relação à entidade de previdência complementar e aos participantes e assistidos dos planos de benefícios;
II – dentro de suas atribuições e poderes, sem violação da legislação, do estatuto e do regulamento dos planos de benefícios; e
III – fundado na técnica aplicável, mediante decisão negocial informada e refletida.