A presidência da República sancionou, sem vetos, as alterações na Lei de Improbidade Administrativa (LIA – Lei nº 8.429/1992), por meio da aprovação do texto que cria a Lei nº 14.230/2021. Como grande inovação, limitou-se o escopo de punições da Lei ao exigir a presença do dolo para a caracterização de atos de improbidade. Portanto, atos frutos de imprudência, imperícia ou negligência não são mais considerados atos de improbidade. Também são relevantes as alterações sobre a prescrição e sobre a legitimidade para a propositura de ação de improbidade administrativa.
A seguir, reúnem-se as principais mudanças.
A exigência do dolo para configuração de improbidade administrativa
Uma das modificações mais comentadas é a exigência de dolo para a configuração de atos de improbidade. Agora, a mera voluntariedade no cometimento da ação é insuficiente para que se apliquem as sanções previstas na Lei 8.429/1992, devendo ser comprovado o intuito específico de se alcançar o resultado ilícito (art. 1º, §2º e 3º). Desse modo, deixam de existir atos culposos de improbidade administrativa.
A nova definição é trazida logo pelo §1º acrescentado ao art. 1º da Lei de Improbidade Administrativa, que estatui: “consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais”.
A exigência de dolo foi reforçada também pelas alterações nos arts. 9º, 10 e 11 e seus incisos, que o explicitaram como requisito para os tipos previstos. Agora há um rol taxativo nas hipóteses de improbidade administrativa decorrente de violação de princípios da administração pública previstos no art. 11, superando o paradigma que via as condutas indicadas nesse dispositivo como meramente exemplificativas, o que gerava alto grau de incerteza sobre o enquadramento de determinada conduta dentro dos parâmetros da Lei.
Trata-se de inovações bem recebidas, uma vez que trazem maior segurança jurídica ao bom gestor público, deixando de punir aqueles que venham a agir sem a intenção de lesar a Administração Pública em proveito próprio ou alheio.
Mudanças nos tipos previstos na Lei de Improbidade Administrativa
Outro aspecto relevante das alterações ocorreu em alguns elementos determinantes para as condutas previstas como puníveis pela Lei.
Dentre os pontos de destaque, o §8º do art. 1º esclarece que a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, isto é, a diferença entre o entendimento jurídico da Administração Pública e o dos órgãos de controle na formulação e condução de políticas públicas e demais ações administrativas, não pode ser considerada ato de improbidade. Isso se dá sem prejuízo de eventual cabimento de Ação Civil Pública para tratar do controle de políticas públicas, tal como se vê do art. 17-D.
Além disso, as condutas previstas na nova redação do art. 11 exigem lesividade relevante ao bem jurídico tutelado para que sejam passíveis de sanção (art. 11, §4º), de maneira que haverá um ônus de se comprovar o efetivo dano causado pela conduta que se pretende punir. Ainda no art. 11, foi revogado o seu inciso II, que enquadrava como ato de improbidade “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”.
Sobre novos tipos, cabe menção à inclusão do nepotismo: contratação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau (art. 11, XI). No entanto, não configura improbidade a mera nomeação ou indicação política por parte dos detentores de mandatos eletivos, sendo necessária a aferição de dolo com finalidade ilícita por parte do agente (art. 11, § 5º). Outro novo tipo que merece menção é o do enaltecimento pessoal (art. 11, XII).
Importa destacar que as disposições sobre improbidade administrativa inseridas na Lei abrangem aqueles que, mesmo não sendo agentes públicos, induzam ou concorram dolosamente para a práticas dos atos (art. 3º).
Alterações nas penas
As modificações realizadas no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa estabelecem os parâmetros de penas por violações previstas nos artigos 9º, 10 e 11. Desse modo, por força dos incisos I, II e III do art. 12:
- As hipóteses previstas no art. 9º da Lei ensejam perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente, além de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos por até 14 anos, bem como pagamento de multa civil no valor equivalente ao acréscimo patrimonial percebido. O dispositivo também prevê a proibição de contratar com o Poder Público ou de receber incentivos ou benefícios por prazo não superior a 14 anos. A redação anterior previa suspensão de direitos políticos de 8 a 10 anos, mas uma multa de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial;
- As hipóteses previstas no art. 10 podem gerar punição de perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se for o caso, além de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por até 12 anos e o pagamento de multa no valor equivalente ao dano causado, assim como a proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios por até 12 anos. Na redação anterior a suspensão de direitos políticos ocorria em período de 5 a 8 anos, o pagamento da multa poderia chegar a até o dobro do dano causado e a proibição de contratar ou receber benefícios era de, no máximo, 5 anos;
- As hipóteses estabelecidas no art. 11 ensejam pagamento de multa civil de até 24 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente público, além de proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios por até quatro anos. Neste caso, houve uma mudança mais contundente, eis que a redação anterior previa ressarcimento integral de eventuais danos, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos e pagamento de uma multa de até 100 vezes o valor da remuneração percebida, podendo haver proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios por até três anos.
Um aspecto importante é que os valores das multas podem ser aumentados até o dobro do estabelecido nos incisos aludidos, a depender da situação econômica do réu e para garantir a reprovação e prevenção do ato (art. 12, §2º). Nota-se também que, no caso de responsabilidade de pessoa jurídica, deve-se aplicar com maior parcimônia eventuais sanções, para que não se comprometa a manutenção de suas atividades (art. 12, §3º). Destaca-se, ainda, que nos atos tidos como de menor ofensa, a sanção ficará limitada à aplicação de multa e, se for o caso, ao ressarcimento de dano ou valores ilicitamente obtidos (art. 12, §5º), o que indica o intuito normativo de assegurar a dosimetria na aplicação das punições.
Por fim, cabe mencionar a limitação da medida de indisponibilidade de bens, uma vez que a nova lei afastou a presunção do periculum in mora, isto é, o pedido de indisponibilidade deve demonstrar concretamente o perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, devendo, salvo impossibilidade, o réu ser ouvido em até cinco dias (art. 16, § 3º). A lei agora deixa claro também que a urgência não pode ser presumida (art. 16, § 4º).
Há também determinação no sentido de se evitar o bloqueio direto das contas dos acusados, com a indisponibilidade devendo recair preferencialmente sobre bens de menor liquidez, como veículos, imóveis, bens móveis em geral, ações e quotas de sociedades simples e empresárias, pedras e metais preciosos e, apenas na inexistência desses, sobre contas bancárias (art. 16, § 11). Veda-se, além disso, a indisponibilidade de bem de família (art. 16, § 14).
Nova configuração para a prescrição
No campo de prescrição, a nova redação da Lei trouxe mais detalhamento e clareza a respeito dos prazos aplicáveis e dos marcos interruptivos e suspensivos.
Estabeleceu-se na nova redação do art. 23 que a ação de improbidade administrativa prescreve em oito anos, ficando o prazo suspenso pela instauração de inquérito civil ou de processo administrativo para apuração dos ilícitos que se alegam. Essa suspensão, no entanto, limita-se a 180 dias (art. 23, §2º). O inquérito deve ser concluído em 365 dias, esse prazo podendo ser prorrogado uma única vez. Após isso, a ação deverá ser proposta em até 30 dias.
O §4º da nova redação do art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa estabelece os marcos interruptivos da prescrição, que correspondem: (i) ao ajuizamento da ação de improbidade administrativa; (ii) à publicação da sentença condenatória; (iii) à publicação de decisão ou acórdão de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que confirma sentença condenatória ou que reforma sentença de improcedência; (iv) à publicação de decisão ou acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência; e (v) à publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência.
Interrompido o prazo, este volta a correr a partir do dia da interrupção. O prazo da prescrição intercorrente é de quatro anos (art. 23, §5º).
A legitimidade para propositura da ação de improbidade administrativa
Um dos pontos polêmicos da alteração legislativa é a limitação da legitimidade para propositura da ação de improbidade administrativa ao Ministério Público (art. 17), retirando das pessoas jurídicas interessadas a possibilidade de ajuizamento. O principal argumento utilizado para a realização dessa alteração é evitar abusos de uso político contra gestores anteriores vencidos em eleições.
As mudanças realizadas na Lei devem mitigar o fenômeno do apagão das canetas, dando maior previsibilidade e segurança para a atuação dos gestores ao passo em que limita a aplicação de sanções por critérios criativos por parte dos órgãos de controle.
A equipe de Direito Público do Bocater Advogados continuará acompanhando o tema, trazendo novos destaques sobre as principais alterações realizadas na Lei de Improbidade, bem como eventuais mudanças relevantes na jurisprudência da matéria. Permanecemos disponíveis para esclarecimentos.