Nos últimos dois meses, observou-se um avanço da Administração Pública no sentido de criar novos canais de diálogo com o setor privado. A primeira iniciativa em destaque, publicada em maio deste ano, foi a criação do Comitê de Resolução de Disputas Judiciais em Infraestrutura (CRD-Infra), órgão vinculado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Este comitê vai servir como uma nova forma de resolução de conflitos entre o Estado e as empresas que atuam no setor, acelerando os processos e desafogando o Poder Judiciário.
A segunda iniciativa, que ainda está em fase de planejamento, pretende mudar a relação do Tribunal de Contas da União (TCU) com as companhias que participam de grandes empreendimentos. Em um anúncio feito no mês de junho, o vice-presidente do Tribunal, ministro Bruno Dantas, noticiou a criação da nova secretaria de administração pública consensual, que vai auxiliar o governo federal em grandes projetos que envolvam a iniciativa privada, contando com um corpo de auditores.
Essas divulgações demonstram, acima de tudo, um passo dado pela Administração Pública no sentido de buscar um diálogo mais intenso e transparente com as empresas que investem em grandes projetos de infraestrutura no Brasil.
Muitas vezes, os atores privados apresentam um relacionamento conturbado com os órgãos responsáveis pela fiscalização, regulamentação e regulação dessas atividades, que não levam em consideração as suas demandas, resultando em litígios e empecilhos ao andamento de propostas que interferem no desenvolvimento econômico e social do Brasil.
A transição do modelo de Estado autoritário para o modelo consensual, no Direito Administrativo, não é novidade. Essa transformação vem sendo observada desde o fim da Segunda Guerra Mundial, com a adoção do Estado Social de Direito, no qual as decisões administrativas passaram a incorporar a participação dos cidadãos, em substituição aos antigos atos unilaterais de autoridade. Assim, ao longo das décadas, a atuação impositiva da vontade administrativa foi sendo substituída pela participação da população na tomada de decisão e pela atuação consensual do Estado, o que vem garantindo maior legitimidade democrática para a Administração.
Dentro desta nova forma de enxergar a relação entre o Estado e o administrado, na qual se preza pela conciliação, adotou-se de uma lógica de acordos entre os entes públicos e particulares. O Estado e os entes privados passam a firmar contratos, compor audiências públicas e utilizar formas consensuais de resolver litígios, como a mediação e a arbitragem, que levam os problemas para fora do poder judiciário e dão mais poder para as partes envolvidas no conflito.
Apesar de não ser recente, esse movimento de incorporação do princípio da consensualidade ainda não se inclina sobre todas as instituições de Direito Administrativo. Muitos órgãos e institutos legais da Administração Pública ainda não utilizam mecanismos de recepção das pretensões e objeções dos entes privados, ou mesmo de solução consensual de controvérsias, limitando a possibilidade de atuação dos particulares sobre questões que lhes são relevantes.
Com a imposição dessa barreira, a Administração Pública acaba tomando algumas decisões que são insatisfatórias para os administrados, além de ineficientes, nos casos em que poderiam ter sido resolvidas de forma consensual, célere e participativa, economizando tempo e dinheiro para a máquina do Estado.
Esses obstáculos se demonstram um problema ainda mais expressivo quando se observa o setor de infraestrutura, no qual a judicialização das questões leva à uma interrupção nos projetos de desenvolvimento e prejudica enormemente a população que se beneficiaria da conclusão deste empreendimento. De forma semelhante, as empresas que investem no setor encontram dificuldade em expor as suas indagações e reivindicações, quando se deparam com um Estado que não apresenta mecanismos de colaboração.
Diante desse cenário, os novos órgãos constituídos pelo Poder Público, que têm como objetivo diminuir essa distância entre a Administração e o administrado, têm potencial para gerar resultados positivos para o próprio Estado – que deve ter menos custos com litigância -, para as empresas que investem em grandes empreendimentos – que devem observar um maior atendimento das suas proposições -, e para a sociedade num geral – que deve se beneficiar de uma maior eficiência no andamento de projetos de infraestrutura.
Resta observar se a atividade destas novas instituições será eficaz e eficiente na realidade prática, atendendo à finalidade para a qual elas foram criadas.