A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está em vias de alterar novamente o seu entendimento acerca da tese aplicável ao parágrafo primeiro do art. 115 da Lei das Sociedades Anônimas (LSA)[1], que disciplina a questão do voto do(s) acionista(s) em situações de potencial conflito de interesses.
Desde 2010, a posição majoritária da autarquia é a de que há um impedimento formal para o(s) acionista(s) nas situações previstas no parágrafo único do artigo mencionado, o que resulta em um impedimento prévio ao exercício do direito de do voto em casos pontuais.
Para esse posicionamento, quatro são as hipóteses em que o acionista está impedido de votar: (i) aprovação do laudo de avaliação de bens com que concorre para a formação do capital social; (ii) aprovação de suas contas como administrador; (iii) matérias que puderem beneficiá-lo de modo particular; e (iv) matérias em que tiver interesse conflitante com o da companhia.
Contudo, em dois julgamentos iniciados no dia 16 de agosto deste ano, já há maioria formada em favor da aplicação da tese do conflito material à terceira e à quarta hipótese. A tese do conflito material, diferentemente da tese do conflito formal, não impede o exercício do direito de voto em controle prévio, mas condiciona a sua validade à adequação com o interesse social, possibilitando eventual responsabilização do acionista, caso fique configurado que houve abuso em exame posterior.
A fundamentação da posição que está prevalecendo, de acordo com o voto do diretor Otto Eduardo Fonseca de Albuquerque Lobo, que acompanhou os fundamentos e as conclusões do diretor relator, Alexandre Costa Rangel, no Processo Administrativo Sancionador (PAS) nº 19957.003175/2020-50, é a de que: (i) a análise ex ante de situações com potencial conflito de interesse é incompatível com a atual dinâmica empresarial; (ii) a lei societária não proíbe o acionista de votar no interesse próprio, desde que tal interesse seja compatível com o interesse comum da sociedade; (iii) a falta de definição expressa de critérios objetivos para a apuração da existência de conflito revela a intenção do legislador de permitir uma avaliação posterior, a ser feita de acordo com cada caso em concreto, posição reforçada pelo enunciado do § 4º do art. 115[2]; (iv) o impedimento prévio contraria o princípio da presunção da boa-fé e o princípio majoritário; e (v) a evolução das garantias do direito dos acionistas minoritários permite que eles busquem a reparação de danos causados por administrador ou acionista controlador que tenha agido de forma abusiva.
Apesar de não haver decisão final, o critério que está prevalecendo, é o da teoria material. Tanto no PAS nº 19957.003175/2020-50, quanto no PAS nº 19957.004392/2020-67, votaram a favor de sua aplicação os diretores Alexandre Costa Rangel (relator), João Pedro Barroso do Nascimento (presidente) e Otto Eduardo Fonseca de Albuquerque Lobo. Em ambos, a seção foi suspensa após pedido de vista da diretora Flávia Perlingeiro.
Além dela, ainda não votou o diretor João Accioly, cujo posicionamento a favor da teoria material já é conhecido pelo mercado, quando da elaboração da primeira versão da Medida Provisória da Liberdade Econômica, que previa a alteração da redação do art. 115 da LSA. Naquela ocasião, Accioly se manifestou em entrevista ao Brazil Journal dizendo que “os agentes econômicos devem ser protegidos de fraudes, não de suas próprias decisões”, que “a regulação deve focar no ilícito cometido” e que “o exagero na prevenção costuma jogar o bebê fora junto com a água suja.”