Na sessão Plenária extraordinária de 11 de outubro, o Tribunal de Contas da União (TCU) realizou o julgamento da TC 008.702/2022-5, de relatoria do ministro Antônio Anastasia. Este processo administrativo tratou do projeto de ato normativo visando regulamentar a prescrição para o exercício das pretensões punitiva e de ressarcimento, bem como identificar os seus possíveis impactos nos processos mais relevantes no âmbito do Tribunal.
O ministro relator ressaltou a necessidade de se garantir a previsibilidade jurídica, de forma que a edição do normativo, consubstanciado na Resolução n° 344 do TCU, surge em um contexto de busca por uma compatibilização equilibrada dos diversos entendimentos acerca do tema. A Resolução, que passa a regulamentar a Lei nº 9.873/1999, tem amparo no entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente na decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 636.886 (tema 899 da Repercussão Geral)[1] e na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.509[2].
Alguns pontos do projeto do texto do normativo foram debatidos durante o julgamento da sessão de 11 de outubro. O principal deles, diz respeito ao início da contagem do prazo prescricional, tendo sido decidido que a tese dos 5 anos para a prescrição das pretensões punitiva e de ressarcimento é a que provoca menor impacto nos atuais danos em apuração no âmbito do Tribunal. Este entendimento está em consonância com o levantamento feito pelo Grupo de Trabalho constituído em cumprimento ao item 9.8 do Acordão 459/2022-TCU-Plenário[3].
Posteriormente, o projeto foi objeto de nova apreciação durante a sessão plenária realizada no dia 19 de outubro, quando foram feitos alguns ajustes em sua redação, que foi finalmente consolidada e aprovada por decisão unânime do Plenário da Corte de Contas.
Dentre os principais pontos da Resolução n° 344, destaca-se a unificação dos prazos prescricionais nos processos de controle externo, tanto para a prescrição ressarcitória quanto para a punitiva. Com isso, foi superada a visão de aplicação dos prazos elencados no Código Civil, arts. 205 e 206, no âmbito dos processos do TCU, tendo em vista a normatização da matéria, de forma detalhada, pelo Tribunal.
Os termos iniciais da prescrição estão dispostos no art. 4º do normativo, tendo sido previstas cinco hipóteses: (i) tratando-se do dever de prestar contas, a contagem começa a correr a partir da data em que as contas deveriam ter sido prestadas, no caso de omissão; (ii) não se tratando de omissão na prestação de contas, o prazo começa a contar da data da apresentação da prestação ao órgão competente para a sua análise inicial; (iii) inicia a contagem no momento do recebimento da denúncia ou da representação pelo Tribunal ou pelos órgãos de controle interno, quanto às apurações decorrentes de processos dessas naturezas; (iv) o prazo se inicia a partir da data do conhecimento da irregularidade ou do dano, quando constatados em fiscalização realizada pelo Tribunal, pelos órgãos de controle interno ou pelo próprio órgão ou entidade da Administração Pública onde ocorrer a irregularidade; e, (v) por fim, no caso de irregularidade permanente ou continuada, a contagem tem início no dia em que tiver cessado a permanência ou continuidade.
Além disso, o texto traz disposições a respeito das causas interruptivas, em seu art. 5º, que são as mesmas hipóteses constantes na Lei nº 9.873/99, com os devidos ajustes para a realidade do TCU, sendo elas: a notificação, oitiva, citação ou audiência do responsável, inclusive por edital; por qualquer ato inequívoco de apuração do fato; por qualquer ato inequívoco de tentativa de solução conciliatória; e, ainda, pela decisão condenatória recorrível. A interrupção da prescrição pode ocorrer mais de uma vez, por causas distintas ou por uma mesma causa, desde que, por sua natureza, essa causa seja repetível no curso do processo.
Outro ponto importante, é que não interrompe a prescrição o pedido e concessão de vista dos autos, emissão de certidões, prestação de informações, juntada de procuração ou substabelecimento e outros atos de instrução processual de mero seguimento do curso das apurações.
A Resolução também estabelece as hipóteses de causas suspensivas. Desse modo, não corre o prazo de prescrição enquanto estiver vigente decisão judicial que determinar a suspensão do processo ou que paralisar a apuração do dano ou da irregularidade ou obstar a execução da condenação; durante o sobrestamento do processo, desde que não tenha sido provocado pelo TCU e devidamente fundamentado; durante o prazo conferido pelo TCU para pagamento da dívida; enquanto estiver ocorrendo o recolhimento parcelado da importância devida ou o desconto parcelado da dívida nos vencimentos, salários ou proventos do responsável; no período em que, a juízo do TCU, justificar-se a suspensão das apurações ou da exigibilidade da condenação; e, por fim, sempre que delongado o processo por razão imputável unicamente ao responsável.[4]
No tocante ao tema da prescrição intercorrente, o art. 8º do normativo também está alinhado com o que preconiza a Lei nº 9.873/99, ajustando-se à realidade do TCU, de modo que ocorrerá a prescrição quando o processo ficar paralisado por mais de 3 anos, pendente de julgamento ou despacho, sem prejuízo da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso. Importante destacar que as causas impeditivas, suspensivas e interruptivas da prescrição principal também impedem, suspendem ou interrompem a prescrição intercorrente.
A Resolução, em seu art. 9º, dispõe, ainda, sobre o prazo prescricional do recurso de revisão, previsto no art. 35 da Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/1992). Considerando a sua natureza de ação rescisória, conforme entendimento do STF, a sua interposição dá origem a um novo processo de controle externo para fins de incidência dos prazos prescricionais.
Destaca-se que a ocorrência de prescrição será aferida de ofício ou por provocação do interessado, em qualquer fase do processo[5]. Uma vez reconhecida, tem como efeito, em regra, o arquivamento do processo. Não obstante essa regra, em processos nos quais se vislumbre um fim pedagógico, ficou firmado o entendimento de que estes podem prosseguir em determinadas circunstâncias, por razões de interesse público. Nesses casos, a despeito de impedir a imposição de sanção e de reparação do dano, a prescrição não impede o julgamento das contas, a adoção de determinações, recomendações ou outras providências, destinadas a reorientar a atuação administrativa[6].
Verificada a prescrição, por força do art. 13 do normativo, se houver indícios de crime ou da prática de ato de improbidade administrativa o TCU poderá imputar o dano ao erário integralmente a quem lhe deu causa, sem prejuízo de remeter cópia da documentação pertinente ao Ministério Público da União, para ajuizamento das ações cabíveis. Além disso, a Corte de Contas poderá promover a apuração administrativa da responsabilidade pela prescrição causada por omissão da autoridade administrativa competente ou do agente público no exercício da atividade de controle interno, aplicando as sanções cabíveis proporcionais à conduta, no caso de culpa, e, se for o caso, imputando a totalidade do débito quando comprovado o dolo.
Em suas disposições finais e transitórias, o normativo prevê que os processos com maior risco de prescrição das pretensões punitiva ou ressarcitória terão andamento urgente e tratamento prioritário pelas unidades técnicas e pelos gabinetes, sendo objeto de alerta específico a ser regulamentado pela Presidência do Tribunal. Ainda, estabeleceu-se que os fatos ocorridos antes de 1º de julho de 1995 serão regidos pela regra de direito intertemporal prevista no art. 4º da Lei 9.873/1999[7].
Levando em consideração a oscilação de entendimentos quanto ao tema, inclusive na jurisprudência do STF, o ministro Bruno Dantas destacou, na última sessão, na qual foi aprovado o normativo, que, caso a Corte venha a revisar a matéria, caberá ao TCU realizar ajustes futuros na Resolução a fim de conferir unidade ao entendimento interinstitucional. Nesse sentido, o ministro Aroldo Cedraz sugeriu que fosse determinada à consultoria jurídica do Tribunal que realizasse o monitoramento das decisões monocráticas ou colegiadas do STF que venham a adotar ou rejeitar a tese da ADI nº 5.509.
Ressalta-se que, embora a edição do normativo tenha estabelecido as regras relacionadas a prescrição no âmbito do TCU, o que representa uma melhora diante do cenário de incertezas em torno da temática, ainda restam pontos a serem dirimidos. Sem pretensão de esgotar todas as questões, anteveem-se dificuldades relacionadas à identificação, na prática, do termo inicial dos prazos prescricionais em algumas hipóteses, em especial naquelas últimas elencadas no já mencionado art. 4° da Resolução – como, por exemplo, a falta de precisão no que diz respeito à “data do conhecimento da irregularidade” – o que fatalmente gerará debates futuros.
Por fim, ressalta-se que a Resolução nº 344 somente será aplicada aos processos nos quais não tenha ocorrido o trânsito em julgado no TCU até a data de sua publicação.
A equipe de Direito Público do Bocater, Camargo, Costa e Silva e Rodrigues, Advogados continuará acompanhando os desdobramentos desse tema de extrema relevância e impacto para o mundo jurídico.
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