O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu pela inconstitucionalidade de lei estadual que determina a incidência de Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre valores recebidos por beneficiários em plano vida gerador de benefício livre (VGBL) e plano gerador de benefício livre (PGBL).
O julgamento se deu em sede de repercussão geral, no Tema 1.214, conforme julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.363.013/RJ, em sessão virtual finalizada em dezembro de 2024.
O STF decidiu, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso extraordinário da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), declarando a inconstitucionalidade do art. 23 e art. 13, inciso II e parágrafo único, da Lei Estadual nº 7.174/2015, que previa a incidência de ITCMD sobre o VGBL e o PGBL.
O ministro relator Dias Toffoli teceu breves esclarecimentos acerca da recepção do Código Tributário Nacional (CTN) com lei complementar após a promulgação da Constituição Federal de 1988, destacando a competência dos estados e do Distrito Federal para legislação e cobrança do ITCMD.
O julgamento distingue a natureza jurídica do VGBL como seguro e PGBL como plano de previdência complementar, conforme regulamentação do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e instrução normativa do órgão supervisor Superintendência de Seguros Privados (Susep).
Especificamente sobre o VGBL, Dias Toffoli destacou sua qualidade de seguro e necessidade de aplicação do art. 794 do Código Civil, declarando que não se considera herança para todos os efeitos de direito.
Em suas palavras “o caráter de seguro de vida com estipulação em favor de terceiro, no caso de falecimento do titular do plano, aplica-se a compreensão de que não consistem o direito e os valores recebidos pelos beneficiários em herança ou legado”.
Sobre o PGBL, o ministro relator afastou a equiparação com fundos de investimentos existentes no mercado financeiro, em razão de sua natureza previdenciária, detalhando as características de seus riscos “em relação a externalidades econômicas, biométricas e estatístico atuariais; a existência de regimes tributários diferenciados para planos de previdência; a ausência de garantias mínimas de rentabilidade”.
O relator ainda destacou a liberdade de contratação no VGBL e PGBL, não sendo necessária a relação familiar para indicação como beneficiário em caso de morte do contratante, afastando a disciplina do regime sucessório, sendo, portanto, inaplicável o ITCMD.
Aqui, deve-se atentar para que, considerando a decisão do STF, os aportes contributivos para previdência privada não representem obrigatoriamente o esvaziamento do acervo hereditário, mesmo que permitida a indicação de beneficiário sem relação familiar na contratação de VGBL e PGBL.
A decisão prestigia a natureza securitária do VGBL e a natureza previdenciária do PGBL, o que nos parece muito acertado. Contudo, é preciso ressaltar que a matéria não é simples e pode ainda suscitar discussões mais adiante.
Nesse sentido, é válido lembrar que o art. 4º, inciso V, da Lei 9.250, de 26 de dezembro de 1995, prevê a dedutibilidade de imposto de renda do contribuinte sobre as contribuições destinadas à entidade de previdência privada. Contudo, esse dispositivo admite a dedução desde que “destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social”. A expressão “assemelhados” indica uma proximidade, assim a qualificação para a dedução tributária depende, a nosso ver, da proteção da unidade familiar e dependentes econômicos. O art. 201, V da Constituição Federal, por exemplo, dispõe que a previdência social deverá prover “pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes”.
O julgamento tratou com bastante cautela da possibilidade de desvio de finalidade securitária e previdenciária na utilização, respectivamente, do VGBL e PGBL com a finalidade de exclusivo – e abusivo – planejamento sucessório. Neste caso, ficou sedimentada a possibilidade de enfrentamento de “eventuais dissimulações do fato gerador do imposto, criadas mediante planejamento fiscal abusivo”, cabendo à administração pública o ônus da prova.
O julgamento não representa “carta branca” para realização de planejamento sucessório de modo a gerar evasão fiscal ou mesmo o esvaziamento de patrimônio em detrimento do direito hereditário. É necessário cuidado adequado na estruturação contratual do VGBL e PGBL com objetivo de preservar a finalidade securitária e previdenciária desses veículos, pois as simulações foram vedadas pela decisão do STF.
Para fins de resolução do Tema 1.214, foi fixada a seguinte tese: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao plano vida gerador de benefício livre (VGBL) ou ao plano gerador de benefício livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano.”
Entendemos que o julgamento é adequado às especificidades do caso concreto, aplicando corretamente os conceitos próprios das relações securitárias e de previdência privada, sem afastar a atuação da administração pública em casos de constatação de simulação.