Boletim Bocater

Regulamentação da securitização de créditos públicos no Ceará

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Em dezembro de 2024, a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece) aprovou a Lei nº 19.121/2024, responsável por regulamentar a Lei nº 4.320/1964 e formalizar a participação do estado do Ceará no mercado de securitização da dívida ativa. Entrando em vigor na data de sua publicação (18/12), a norma representa um passo significativo na modernização das finanças públicas estaduais e no alinhamento com o novo marco legal federal, estabelecido pela Lei Complementar (LC) nº 208/2024.

A aprovação dessa lei complementar, no âmbito federal, foi determinante para que estados e municípios pudessem regulamentar a participação nas operações de venda de créditos públicos no seu respectivo âmbito. A lei cearense se destaca por adequar-se às disposições federais, evitando conflitos hierárquicos e respeitando as balizas constitucionais e legais. 

Entre os pontos positivos da Lei nº 19.121/2024, destaca-se a utilização da CearaPar, uma companhia estadual especializada, como responsável por instrumentalizar as operações. Sob a supervisão da Procuradoria-Geral do estado, a CearaPar desempenhará um papel central na estruturação e execução das operações, assegurando o cumprimento dos dispositivos legais e das expectativas do mercado.

A instrumentalização das operações de securitização está detalhada no artigo 5º da Lei cearense, que prevê a criação de contas especiais (escrow accounts) para assegurar o pagamento dos eventos financeiros dos títulos emitidos com base nos créditos cedidos. Essa medida garante a segregação dos recursos destinados ao pagamento dos investidores, reduzindo os riscos de inadimplência e conferindo maior credibilidade às operações. Além disso, os recursos resultantes da securitização serão revertidos ao Tesouro Estadual, fortalecendo as finanças públicas do Ceará.

Um aspecto relevante da norma é a sua exigência de que os créditos passíveis de securitização, de natureza tributária ou não, parcelados ou não, em fase de cobrança administrativa ou judicial, estejam inscritos em dívida ativa. Ou seja, trata-se da securitização dos fluxos do parcelamento dos créditos inadimplidos, que implica apenas na antecipação de recursos lastreados pelos fluxos de pagamentos, prestigiando a segurança jurídica para os atores envolvidos nas operações. 

Apesar de seus méritos, a Lei cearense apresenta lacunas que merecem atenção. Por exemplo, o texto deixa de estabelecer restrições importantes para a instituição financeira controlada pelo estado na sua atuação, com risco de conflito de interesses, na participação da operação de aquisição primária dos direitos creditórios, na aquisição e negociação desses direitos no mercado secundário, dentre outras elencadas, por exemplo, pela LC nº 208/2024. O desdobramento dessas vedações no contexto estadual seria essencial para evitar conflitos práticos e assegurar a conformidade das operações no médio e longo prazo.

Outra crítica pertinente é a ausência de mecanismos mais claros para evitar a diluição dos recursos obtidos via securitização em despesas de curto prazo. Embora o texto estabeleça a reversão dos valores ao Tesouro Estadual, seria desejável maior detalhamento sobre a aplicação estratégica desses recursos, priorizando investimentos estruturantes ou a redução do endividamento estadual. Sem tal previsão, há o risco de que os recursos sejam consumidos sem impactos significativos no equilíbrio fiscal de longo prazo.

Em suma, a Lei nº 19.121/2024 posiciona o Ceará como um dos pioneiros na regulamentação da securitização de créditos públicos, oferecendo um modelo equilibrado entre inovação e segurança jurídica. Contudo, desafios como a necessidade de maior detalhamento em dispositivos críticos e o cuidado com a aplicação dos recursos obtidos ainda precisam ser superados. A norma serve como exemplo para outros estados, mas sua implementação exigirá atenção contínua e rigor técnico para evitar distorções e maximizar seus benefícios para as finanças públicas estaduais.

A equipe de Direito Público do Bocater Advogados continuará acompanhando o tema e permanece à disposição para eventuais esclarecimentos.

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