No último dia 31 de outubro, foi publicada a Lei nº 14.711/2023, norma que se tornou conhecida como o “Marco Legal das Garantias”. A nova lei trouxe alterações expressivas na regulação do crédito e das garantias utilizadas como instrumento para a sua obtenção, de modo a proporcionar o desenvolvimento do mercado de crédito no país, mediante a redução de custos e juros de financiamentos.
Nessa linha, uma das principais alterações da nova lei diz respeito à alienação fiduciária de bem imóvel, negócio jurídico no qual a transferência da propriedade do bem imóvel é utilizada para fins de garantia ao pagamento de um determinado crédito: o devedor transfere a propriedade fiduciária do imóvel ao credor, que ostentará a condição de proprietário fiduciário até o momento de quitação da dívida.
A inovação observada na novel lei permite que um mesmo bem imóvel possa ser utilizado como garantia (alienação fiduciária) para obtenção de mais de um financiamento, inclusive de instituições bancárias diferentes. Nesse caso, a eficácia da alienação fiduciária de propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, fica condicionada ao cancelamento da propriedade fiduciária constituída anteriormente.
A despeito de outras inúmeras e pertinentes inovações trazidas pela nova lei no âmbito do Direito Civil, que não serão objeto de exame neste texto, vale ressaltar as alterações promovidas na lei societária (Lei nº 6.404/1976), em relação ao regime das debêntures, emitidas por sociedades anônimas abertas ou fechadas. As debêntures representam títulos de dívida que garantem aos seus titulares (debenturistas) direito de crédito contra a sociedade emissora, em termos e condições previamente fixados em um instrumento denominado escritura de emissão.
A nova lei ampliou o rol dos órgãos sociais competentes para deliberar sobre a emissão de debêntures não conversíveis em ações. Anteriormente à sua entrada em vigor, a decisão cabia, privativamente, à assembleia geral de acionistas ou ao Conselho de Administração, na hipótese de o emissor ser classificado como companhia aberta e caso não houvesse disposição em contrário no estatuto social. Com a alteração inserida na lei societária, a diretoria também foi incluída nesse rol, além de não mais haver necessidade de a companhia ser aberta para que o Conselho de Administração possa deliberar. O objetivo é facilitar o trâmite de aprovação da emissão, considerando a relevância das debêntures como mecanismo de captação de recursos junto ao público, para financiar as atividades da companhia.
Seguindo essa linha de desburocratização e simplificação, eliminou-se, ao menos no plano legal, a necessidade de arquivar a escritura de emissão no registro de comércio competente, bastando o arquivamento do ato societário que deliberou sobre a emissão. O registro e a divulgação do ato societário que deliberar sobre a emissão e da escritura de emissão das debêntures deverão ainda observar procedimento a ser disciplinado em futuro ato da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), se o emissor for companhia aberta, ou do Poder Executivo Federal, se o emissor for companhia fechada.
Um outro ponto que merece ser evidenciado é a possibilidade de desmembramento do valor nominal das debêntures, dos juros e dos demais direitos conferidos aos debenturistas. Tal prática, conhecida como stripping, já é observada no direito estrangeiro e em algumas classes de títulos públicos federais. Assim, parte-se da premissa de que os fluxos de pagamento referentes ao principal (valor nominal da debênture) e aos juros possam ser negociados isoladamente.
Nesse âmbito, se adotada a possibilidade de desmembramento na escritura de emissão, hipótese que aguarda a edição de ato da CVM para disciplinar a matéria, o cômputo dos votos, na assembleia de debenturistas, excepcionalmente se dará de acordo com a proporção dos direitos econômicos possuídos por cada titular
Por fim, resta destacar que a CVM poderá autorizar a redução do quórum (em regra, não inferior à metade das debêntures em circulação) para aprovar modificações nas condições previstas na escritura de emissão quando a propriedade das debêntures estiver dispersa no mercado, ou seja, não houver uma concentração superior a metade das debêntures em poder, direta ou indiretamente, de um único investidor.
Entendemos que as alterações acima descritas são benéficas e atendem o propósito de simplificar o trâmite para a emissão de debêntures.