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CNPJ por plano: um caminho para a legitimidade processual dos planos de benefícios das EFPC?

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Conforme tivemos a oportunidade de noticiar em edições anteriores, o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) publicou, em 06 de outubro de 2021, a Resolução n° 46 (Resolução 46/2021), que dispõe sobre as condições e os procedimentos para a identificação e o cadastramento dos planos de benefícios no Cadastro Nacional de Planos de Benefícios (CNPB) e no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), para operacionalização da independência patrimonial dos planos de benefícios administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar (EFPC).

Por sua vez, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), publicou, em 19 de agosto deste ano, a Resolução Previc nº 12/2022, que trata dos procedimentos para a transferência ou troca de ativos entre planos administrados por uma mesma entidade fechada “decorrentes da implementação do registro, no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, dos planos de benefícios” (ementa e art. 1º).

Tais normativos materializam uma discussão histórica do segmento de previdência complementar fechada no sentido da instituição do CNPJ para planos de benefícios previdenciários, objetivando, sobretudo, garantir a independência patrimonial desses planos e dotar a gestão patrimonial a cargo das EFPC de maior transparência.

A Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, estabelece que os planos de benefícios administrados por EFPC multiplanos possuem independência patrimonial (art. 34, I, alínea “b”):

Art. 34. As entidades fechadas podem ser qualificadas da seguinte forma, além de outras que possam ser definidas pelo órgão regulador e fiscalizador:
I – de acordo com os planos que administram:
    1. a) de plano comum, quando administram plano ou conjunto de planos acessíveis ao universo de participantes; e
    2. b) com multiplano, quando administram plano ou conjunto de planos de benefícios para diversos grupos de participantes, com independência patrimonial;

Entretanto, em razão dos planos de benefícios previdenciários administrados pelas EFPC não disporem, até agora, de inscrição autônoma no CNPJ, tal segregação patrimonial se dava por meio de controles internos, que são efetuados pelas respectivas entidades e vinculados ao número do CNPB.

Embora seja um procedimento legal e reconhecido pelos órgãos de supervisão, especialmente pela Previc, essa prática acaba gerando dificuldades no reconhecimento patrimonial por terceiros. Notadamente, o Poder Judiciário acaba não aplicando “afetação patrimonial” por plano de benefícios e impõe constrições patrimoniais de forma generalizada no CNPJ da entidade. Assim, onerações de responsabilidade de um determinado plano acabam recaindo sobre outro plano.

Nesse cenário, dentre as inovações introduzidas pela Resolução CNPC 46/2021, deve-se destacar a regra de que a “operacionalização da independência patrimonial de cada plano de benefícios” deverá se dar por meio da inscrição no CNPJ e consequente “segregação de ativos dos planos” (como se depreende da leitura conjunta dos arts. 1º, 2º e 5º, § 2º).

Dessa forma, os ativos correspondentes aos investimentos realizados pela EFPC passam a ser registrados em “nome” de cada plano de benefícios.

Adicionalmente, a Resolução CNPC 46/2021 não deixa dúvida de que a instituição do CNPJ por plano, bem como as novas regras que visam garantir sua segregação patrimonial, não modificam o fato de que os planos de benefícios são destituídos de personalidade jurídica:

Art. 5º Os planos de benefícios de caráter previdenciário administrados por entidade fechada de previdência complementar deverão ser objeto de inscrição específica no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ, conforme regulamentação da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
§ 1º A inscrição no CNPJ não confere personalidade jurídica própria aos planos de benefícios.
(…)

Destacam-se, ainda, em relação à gestão patrimonial, as seguintes regras trazidas pela Resolução Previc 12/2022:

(i) a manutenção dos ativos pertencentes ao plano de gestão administrativa (“PGA”) no CNPJ da EFPC (art. 3º, §1º);
(ii) a vedação da alteração do resultado individual do plano ou do consolidado da EFPC em função da implementação do CNPJ por plano (art. 3º, §1º);
(iii) a necessidade de abertura de contas de depósito à vista ou de poupança para cada plano de benefício e para o PGA (art. 3º, § 3º); e
(iv) a necessidade de registro individualizado dos ativos de cada plano de benefício em sistema de registro ou de depósito centralizado de ativos financeiros e de valores mobiliários autorizado pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários (art. 10).

A Resolução CNPC 46/2021 e a Resolução Previc 12/2022 evidenciam a preocupação das autoridades de supervisão e fiscalização das EFPC em reforçar, ao implementar o CNPJ por plano (que, a rigor, trata-se de cadastro destinado ao controle fiscal por parte do Poder Executivo), a regra de segregação patrimonial já prevista na própria LC 109/2001.

Nesse ponto, nos parece ser possível identificar que essa conjunção de disposições (criação do CNPJ e reforço das regras de segregação patrimonial) apontam para um estreitamento jurídico para o regramento hoje aplicável aos fundos de investimento que, apesar de também serem registrados no CNPJ, igualmente não detêm personalidade jurídica.

No caso dos fundos de investimentos, entretanto, hoje já é pacífica a legitimidade processual desses “condomínios de natureza especial”, com fundamento no art. 75, IX e XI do Código de Processo Civil e, mais recentemente, no art. 1.368-E do Código Civil (introduzido pela Lei de Liberdade Econômica):

– Código de Processo Civil:
Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
(…)
IX – a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração de seus bens;
(…)
XI – o condomínio, pelo administrador ou síndico.
– Código Civil:
Art. 1.368-C.  O fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza.
(…)
Art. 1.368-E.  Os fundos de investimento respondem diretamente pelas obrigações legais e contratuais por eles assumidas, e os prestadores de serviço não respondem por essas obrigações, mas respondem pelos prejuízos que causarem quando procederem com dolo ou má-fé.

Os planos de benefícios administrados pelas EFPC, especialmente a partir das regras de segregação efetiva de seus patrimônios, podem, assim como os fundos de investimentos, serem identificados como “uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial”.

A nosso ver, tal natureza jurídica aponta para uma tendência de se admitir, mediante a evolução normativa e legislativa, a possibilidade de que os planos de benefícios figurem, no futuro, no polo passivo e ativo de demandas judiciais, representados pela EFPC responsável por sua administração, tal como ocorre nos fundos de investimentos.

A capacidade jurídico-processual poderá ser muito útil, pois os planos, sobretudo em casos de transferência entre entidades fechadas, teriam, de forma bastante precisa, a indicação de seu passivo judicial, por vezes, bastante relevante. A titularização da demanda judicial pelo plano evitaria a pretensão pela sucessão processual, muitas vezes um procedimento tortuoso e mal compreendido no Judiciário.

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