Recentemente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) julgou Processo Administrativo Sancionador (PAS) que teve origem em inquérito instaurado para apurar operações no mercado de valores mobiliários que envolviam suposto uso de informação privilegiada por parte de ex-membro do Conselho de Administração de uma companhia aberta.
A fim de averiguar a data em que o conselheiro teria acessado a informação ainda não divulgada, a área técnica solicitou à companhia os registros de acesso de seu Portal da Governança, tendo a companhia informado que não poderia fornecer tais dados, uma vez que não mais os detinha, pois foram apagados quando da troca do fornecedor do sistema, em razão de dificuldades técnicas para a sua manutenção.
A área técnica da CVM, não tendo obtido provas da ocorrência de insider trading, entendeu que a falta de manutenção do registro configuraria inobservância da obrigação de guardar documentos, em infração ao previsto no art. 9º, inciso I, alínea “b” da Lei 6.385/76.[1]
O relator do PAS, diretor João Accioly, ao analisar o processo, ressaltou que, segundo a tese acusatória, os diretores deveriam ser punidos pois tinham o dever de guardar os dados e não o fizeram. Como a acusação, contudo, não apontou atos ou omissões individuais, por parte dos diretores, estar-se-ia diante de uma responsabilidade objetiva, o que não se admite na esfera do direito sancionador. Por essa razão, votou pela absolvição dos diretores.
Quanto à responsabilidade da companhia, entendeu, primeiramente, e em tese, que a alegação da defesa de ilegitimidade passiva da pessoa jurídica não pode ser preliminarmente afastada, pois há circunstâncias em que esta pode vir a ser beneficiada, o que leva ao exame do mérito.
Nesse ponto, o relator expôs seu entendimento na linha de que mesmo adotando-se uma interpretação mais ampla da lei – no sentido de que contém previsão genérica de guarda de documentos –, no caso concreto, a conduta descrita seria atípica, não se podendo exigir da companhia o dever de guarda de todo e qualquer documento gerado internamente.
Segundo o relator, com base na previsão legal genérica contida no dispositivo apontado, a CVM exerceu a sua competência, tendo discriminado na regulamentação editada as hipóteses em que os documentos deveriam ser de guarda obrigatória, pelo prazo mínimo de cinco anos. Nesse sentido, concluiu que inexistia na regulamentação previsão específica para a guarda dos registros de acessos. Observou, ademais, que imputar às companhias a obrigação de preservar todo o material gerado em sua operação diária não seria razoável, pois implicaria gastos excessivos, sem benefícios correspondentes.
O relator concluiu, assim, que a conduta descrita era atípica, sendo seu voto acompanhado pelo presidente João Pedro Nascimento. A diretora Flávia Perlingeiro também seguiu a conclusão do relator, tendo, no entanto, apresentado manifestação de voto com considerações adicionais, sem entrar no exame da legitimidade passiva da companhia ou individualização da conduta dos diretores.
A diretora analisou detidamente a nova redação dada pelo Decreto nº 3.995/2001 ao art. 9º, inciso I, da Lei 6.385/76, ressaltando que a referência aos documentos a serem guardados pelo prazo mínimo de cinco anos liga-se apenas aos “papéis de trabalho de auditores independentes”, obrigação que já decorria da regulamentação da CVM, como interpretado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao apreciar ação declaratória interposta por auditor independente. Desse modo, e em linha com o relator quanto à inexistência de previsão infralegal de que a companhia devesse preservar os registros de acessos por aquele período, concluiu pela atipicidade da conduta da companhia e seus diretores.
Assim, os membros do Colegiado da CVM presentes à sessão de julgamento decidiram, por unanimidade, absolver a companhia e seus diretores.