No dia último dia 16 de março, foi publicada a Medida Provisória n° 1103/22, que institui o Marco Legal das Companhias Securitizadoras e dispôs, dentre outras medidas, sobre a emissão de Letras de Riscos de Seguros (LRS) via Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE) e sobre a flexibilização da prestação do serviço de escrituração e de custódia de valores mobiliários. Em tramitação perante Comissão Mista no Congresso Nacional, a MP foi objeto de 55 emendas.
No tocante às Letras de Riscos de Seguros, tratam-se de títulos de renda fixa, que serão emitidos por uma sociedade seguradora, as “SSPEs”, atrelados a uma carteira de apólices de seguros e resseguros.
Em nota explicativa à minuta da MP encaminhada à Presidência da República, o Ministro da Economia, Paulo Guedes, afirma que o objetivo com a emissão das Letras de Riscos de Seguros é fomentar o mercado de capitais e o mercado segurador e ressegurador ao simplificar as operações de risco[1]: “Do ponto de vista de um investidor, a LRS é um título de renda fixa, com prazos diversos cujo retorno é atrelado a fatores de risco de seguro, parametrizados, facilmente identificados, como enchentes, ventania, granizo e catástrofes climáticas em uma região predefinida. Se durante o prazo de vigência da LRS não ocorrer o fator de risco na escala predefinida, o investidor recebe de volta o capital investido, acrescido de um retorno para compensar o risco assumido, além da remuneração do ativo investido pela companhia Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE). Caso ocorra um sinistro, o investidor não recebe esse retorno e pode perder parte do capital investido, que será utilizado pela SSPE para pagamento das correspondentes indenizações devidas.”
A operação pode ser ilustrada da seguinte forma:
A edição da MP nº 1.103/22 trouxe também a unificação e uniformização da regulação legal das Companhias Securitizadoras, que se encontrava dispersa na Lei nº 9.514/97[2] e na Lei nº Lei nº 11.076/04[3], estabelecendo normas gerais, de maneira a conferir uma maior segurança jurídica para as operações de securitização.
Assim, antes da edição da MP nº 1.103/22, a possibilidade de emissão de CRs era restrita ao setor imobiliário e do agronegócio. Com a MP, essa emissão se estendeu a todos os setores da economia. De acordo com o Sumário Executivo da MP: “Essa ampliação de escopo tem grande importância, na medida em que tornará as cessões de crédito e o compartilhamento de riscos vinculados mais simplificados e mais seguros jurídica e operacionalmente. Hoje, a cessão de direitos creditórios não imobiliários ou agrícolas requer uma estrutura complexa e cara, que será substituída, com vantagens, pelas companhias securitizadoras”.
No âmbito do Marco Legal da Securitização, são disciplinados diversos aspectos relacionados às securitizadoras e ao mercado de certificados de recebíveis, incluindo: (i) definição de companhias securitizadoras e operações de securitização[4]; (ii) competências da CVM para expedir regras sobre CR e outros valores mobiliários correlatos; (iii) caráter escritural e de livre negociação dos créditos de recebíveis; (iv) normas de direito cambial aplicadas aos CR; (v) possibilidade de emissões de séries e revolvência; vi) captação de recursos no exterior; (vii) regime fiduciário[5] e patrimonial; e (viii) situações de falência ou insolvência, bem como disciplina de forma unificada aspectos relativos aos certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) e imobiliários (CRI).
No âmbito da legislação infralegal, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já havia se antecipado e editado, em dezembro de 2021, a Resolução nº 60, estabelecendo um regime próprio para as Companhias Securitizadoras, em virtude de seu caráter sui generis. Portanto, sua regulação é distinta da aplicável às companhias abertas. A Resolução nº 60 entrará em vigor no dia 02 de maio de 2022.
Por fim, a MP 1.103/22 alterou o art. 293 da Lei nº 6.404/76 e o art. 24 da Lei nº 6.385/76, flexibilizando a exigência da prestação de serviços de escrituração e de custódia de valores mobiliários ser realizada exclusivamente por pessoa jurídica que se classifique como instituição financeira. Na nota explicativa, o Ministro da Economia evidencia que a flexibilização do requisito está alinhada com o atual contexto da CVM, de ampliar o acesso ao mercado de capitais através da inclusão financeira:
(…)
- As atividades de custódia e de escrituração de valores mobiliários são regulamentadas pela Comissão de Valores Mobiliários pelas Instruções CVM nº 542 e nº 543, editadas em 20 de dezembro de 2013. Ambas as atividades preveem a prestação de tais serviços no mercado de valores mobiliários exclusivamente por instituições financeiras, em observância aos comandos existentes no art. 24 da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e no art. 34, § 2º, da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
- No contexto atual, a CVM vem promovendo diversas iniciativas para expandir o acesso ao mercado e acolher inovações que venham a promover ganhos de eficiência e inclusão financeira no mercado de capitais. Exemplos de tais iniciativas são as normas que regulamentam o investimento participativo (“crowdfunding de investimento” ou “crowdfunding”), regulamentado pela Instrução CVM nº 588, de 13 de julho de 2017, e o sandbox regulatório (“sandbox”), regulamentado pela Instrução CVM nº 626, de 15 de maio de 2020, destinado às empresas que busquem testar produtos e serviços inovadores em um ambiente controlado, sujeitas a menos restrições regulatórias em caráter experimental.
- A CVM, bem como os demais reguladores, não pode flexibilizar requisitos legais para as experiências no sandbox; apenas requisitos regulatórios de suas próprias normas. Dessa maneira, as alterações legais propostas permitiriam à CVM modular tal exigência e eventualmente afastá-la para determinados mercados, como seria, provavelmente, o caso da prestação do serviço de escrituração para o mercado de crowdfunding de investimento. A Comissão poderia, também, flexibilizar pontualmente tal exigência para algumas empresas testarem novas tecnologias, como o blockchain, no âmbito de seu sandbox.
(…).
[1] Nota explicativa à minuta da Medida Provisória n° 1103/2022
[2] Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências.
[3] Dispõe sobre o Certificado de Depósito Agropecuário (CDA), o Warrant Agropecuário (WA), o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e dá outras providências.
[4] O art. 17 da MP 1.103/2022 dispôs sobre definição de Companhias Securitizadoras e das operações de securitização:
Art. 17. As companhias securitizadoras são instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por ações, que têm por finalidade a aquisição de direitos creditórios e a emissão de Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização.
Parágrafo único. Para fins do disposto nesta Medida Provisória, são consideradas operações de securitização a emissão e a colocação de valores mobiliários junto a investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios que o lastreiam.