Boletim Bocater

STJ: partes não podem convencionar sobre ato processual regido por norma de ordem pública por meio do negócio jurídico processual

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Em sessão no dia 23 de fevereiro de 2021, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao Recurso Especial nº 1.810.444/SP, a fim de fixar o entendimento de que, em sede de negócio jurídico processual, as partes não podem convencionar sobre ato processual regido por norma de ordem pública.

 

Em suma, as partes celebraram Instrumento Particular de Compra e Venda e, em uma das cláusulas, valendo-se do art. 190 do Código de Processo Civil, previram que, em caso de inadimplemento, a parte credora estaria autorizada a obter liminarmente o bloqueio de ativos financeiros do devedor. Destaca-se que o pactuado era de que a liminar seria concedida sem que fosse ouvida a outra parte.

 

Contudo, o Juízo da 39ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital de São Paulo, assim como a 33ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), rejeitaram a possibilidade desse negócio jurídico processual, sob o entendimento de que estaria sendo suprimido um ato privativo do magistrado. Registraram, ainda, que a convenção versaria sobre pressuposto processual de existência e validade do processo, o que é vedado.

 

No recurso especial a parte recorrente sustentou que o negócio jurídico processual teria sido celebrado em atenção ao princípio da livre manifestação de vontade das partes e por isso deveria ser observado pelo magistrado.

 

Todavia, o STJ decidiu por negar provimento ao recurso, corroborando o entendimento do TJSP. Na ocasião, o ministro relator Luís Felipe Salomão entendeu que a convenção afrontaria o direito ao processo justo, conduzido por um juiz competente, diante da impossibilidade de se vincular o juiz natural a um negócio jurídico processual que verse exatamente sobre a sua função jurisdicional. Até mesmo porque o magistrado, por exercer os atos em nome do Estado, não pode dispor de seus poderes e, portanto, ser parte de uma convenção processual.

 

Ainda, destacou a violação ao direito ao contraditório e à paridade entre armas, uma vez que a previsão da obrigatoriedade da concessão da medida sem que seja ouvida a outra parte suprime o direito da parte de influenciar no convencimento do magistrado. Sob esse ponto de vista, o relator destacou que o contraditório integra o “próprio conceito de processo, de modo a redundar em sua absoluta indispensabilidade à órbita processual”.

 

Sobre o tema, vale mencionar que o Código de Processo Civil de 2015 apresentou como inovação o negócio jurídico processual atípico, previsto no art. 190, sem, contudo, estabelecer contornos precisos para a sua incidência, permitindo uma maior flexibilidade para as partes regrarem os atos processuais que serão praticados no curso da própria demanda.

 

Todavia, a liberdade e flexibilidade conferida às partes, nesta valiosa cláusula geral de negociação sobre o processo, não pode ser absoluta, encontrando limites nas normas de ordem pública e nos ditames constitucionais, como no caso o exercício do contraditório.

 

Bruno Carriello, sócio (bcarriello@bocater.com.br)

Joanna de Souza Rhormens, advogada (jrhoemens@bocater.com.br)

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