Publicada em 2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC – Lei Federal nº 14.133/2) será de observância obrigatória da Administração Pública a partir de 30 de dezembro deste ano, quando haverá a revogação da Lei federal nº 8.666/93. Atualmente, existem discussões em andamento sobre a possibilidade de nova extensão do prazo, incluindo a apresentação de Projetos de Lei na Câmara dos Deputados[1], que ainda não tiveram novos andamentos.
Depois de mais de dois anos de possibilidade de aplicação da NLLC, o Tribunal de Contas da União (TCU) se mostrou preocupado com a baixa adesão até o momento das novas disposições da lei pelos órgãos e entidades públicas[2]. Há então um receio de que haja uma ineficácia dos novos mecanismos e melhorias introduzidas pela legislação, como planejamento, uso de ferramentas eletrônicas e transparência nas contratações.
Assim, instaurou-se uma auditoria no âmbito da Corte de Contas, semelhante à realizada no início da vigência da Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016[3]), visando a realizar um levantamento de dados de fontes públicas, como o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) e o Portal de Compras do Governo Federal (Compras.gov.br) sobre o tema.
Essa auditoria, sob a relatoria do ministro Benjamin Zymler, analisou o nível de preparação da Administração Pública para a efetiva implementação dos aspectos mais cruciais da NLLC, bem como fatores que possam estar impedindo a adoção abrangente das alterações legislativas. Os trabalhos resultaram em um relatório final levado ao Plenário no último dia 25 de outubro.
A análise demonstra que os dados apresentados pela Unidade Técnica do TCU apontam que o uso da NLLC tem sido baixo, principalmente no âmbito federal, na medida em que apenas 3,1% dos processos licitatórios realizados no “Compras.gov.br” a utilizaram como fundamentação legal. Observou-se, ainda, que a realização de licitações com base na NLLC começou a ganhar força somente a partir do primeiro semestre de 2023, após mais de dois anos de transição legislativa.
Em seu voto, Zymler destacou que a maior preocupação decorre do fato que a revogação do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), da antiga Lei de Licitações (Lei federal nº 8.666/1993) e da Lei do Pregão (Lei nº 10.520/2021) está prevista para ocorrer em algumas semanas e o período de transição não conseguiu fornecer uma base empírica sólida sobre a aplicação das alterações legislativas nos certames, o que representará dificuldades para a Administração quando a NLLC passar a ser o único regime aplicável.
Diante do cenário de esparsa aplicação da NLLC, surge o questionamento se um novo adiamento realmente teria o poder de alterar o estado de baixa implementação, ou se seriam apenas tentativas de adiar a sua aplicação indefinidamente. Isso porque, apesar do aumento na utilização da NLLC em 2023, os dados compilados no levantamento do TCU sugerem que o tempo concedido para a adaptação dos órgãos e entidades à nova legislação não tem sido eficaz.
Outro ponto relevante sobre a baixa adesão é que a Administração Pública, no momento, tem ampla discricionaridade para escolher a legislação que irá fundamentar o certame[4]. A escolha sistemática pela antiga legislação, inclusive, permite depreender que não houve uma efetiva atuação vertical de orientação e conscientização sobre as novas disposições legais.
Para além da questão da adaptação à NLLC, o relatório se debruçou sobre plataformas eletrônicas privadas que processam os certames realizados por órgãos subnacionais[5]. Destacou-se o receio quanto à legalidade desses portais privados, especialmente em relação à segurança dos sistemas. Por exemplo, enquanto o “Compras.gov.br” é submetido a auditorias, não há informações disponíveis sobre processos similares ou certificações que atestem a segurança dos dados nas plataformas privadas.
Nesse sentido, a escolha das plataformas para licitações requer a implementação de mecanismos de controle capazes de prevenir vazamentos de informações confidenciais, entre outros aspectos relacionados à segurança. Tais critérios devem ser considerados como requisitos obrigatórios visando garantir a integridade do processo licitatório.
Outra preocupação a respeito das plataformas privadas é a questão da transparência. Para a Unidade Técnica do TCU, inegavelmente trata-se da prestação de um serviço de relevante interesse público e a gestão desses dados precisa observar os princípios e normas que regem as contratações públicas. Nesse sentido, conforme entendimento do relator, a carência de um acesso efetivo às informações representa violação aos princípios da transparência e da publicidade.
Desse modo, são necessários mecanismos que permitam a divulgação dos dados provenientes das plataformas privadas, tanto para o público em geral, por meio de dados abertos, quanto para os órgãos de controle e fiscalização, permitindo o acesso e a extração de informações por meio de bases estruturadas. O acesso a essas bases de dados revela-se de importância extrema, especialmente considerando o interesse público dessas informações.
A equipe de Direito Público do Bocater Advogados seguirá acompanhando o tema da implementação da NLLC, bem como a atuação do Tribunal de Contas da União em relação à adesão das alterações legislativas, e se coloca à disposição para esclarecimentos.