Boletim Bocater

TCU reconhece não ter competência para decidir sobre prazo de mandatos em agências reguladoras

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O Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu que não tem competência para julgar um caso que trata os prazos de mandatos de diretores de agências reguladoras. O debate envolveu uma possível ilegalidade no Ato Administrativo de indicação de ocupante de cargo na Diretoria Colegiada de uma agência reguladora para o cargo de presidente do Conselho Diretor1.

A possível ilicitude levada ao Tribunal se deve ao fato de o período máximo para o mandato em agências reguladoras ser de cinco anos, conforme a Lei das Agências Reguladoras, não havendo qualquer especificação a respeito da contagem do tempo em casos de exercício em outros cargos dentro da diretoria.

Portanto, identifica-se uma lacuna quanto ao somatório ou não do tempo na hipótese de um mesmo conselheiro ocupar cadeiras distintas em tais autarquias, de forma consecutiva. A única vedação explícita existente diz respeito à recondução para mandato consecutivo. 

No caso em análise, o indicado pelo ex-presidente da República ao final de 2021 teve o seu mandato inicialmente entendido como válido por cinco anos. Porém, antes de ser escolhido para presidir o Conselho Diretor da agência, já exercia mandato como conselheiro da mesma agência, a Anatel, por treze meses.

Assim, duas questões surgiram no âmbito das discussões no plenário do Tribunal. A primeira relacionada à natureza jurídica do ato administrativo de nomeação de um conselheiro para a presidência do Conselho Diretor, uma vez que, caso a natureza do ato fosse administrativa, caberia ao TCU revisá-lo. Entretanto, caso se tratasse de um ato estritamente político, seu exame fugiria da competência do Tribunal. E a segunda questão, sobre a contagem do tempo de ocupação no primeiro cargo, se deveria ser contabilizado para o prazo do segundo.

Essas indagações já haviam sido respondidas anteriormente por meio do Acórdão 591/20222, proferido em março de 2022, em que o plenário do TCU havia referendado a medida cautelar adotada pelo ministro Walton Alencar Rodrigues autorizando a indicação, desde que o tempo no mandato anterior fosse contabilizado para o segundo. Dessa forma, seria possível entender que haveria o reconhecimento de uma verdadeira recondução, não se tratando de cargos distintos para os efeitos de tempo máximo de mandato.

Entretanto, no acórdão proferido em agosto, contrariamente à decisão anterior e ao posicionamento manifestado por alguns ministros no plenário, foi decidido que o TCU sequer teria competência para rever o ato. Isto em razão de uma preliminar de mérito suscitada pelo ministro Jorge Oliveira, que acabou influenciando o voto da maioria dos ministros, que firmaram o entendimento de que se tratava de um ato político do presidente da República, sobre o qual não caberia ao Tribunal qualquer análise. 

 Ressalta-se que, no decorrer do julgamento, o ministro Vital do Rêgo pediu a palavra para fazer a sua declaração de voto antes de a preliminar de mérito – que prevaleceu – ter sido apreciada por todos. Defendeu um posicionamento que adota uma espécie de modulação. Para ele, a lei é incontroversa ao estabelecer um limite de cinco anos, de forma que esse tempo de duração incidiria sobre a pessoa, e não sobre o cargo. No entanto, ponderando a necessidade de garantia da segurança jurídica e respeito à avaliação do Senado, a quem compete realizar a sabatina dos indicados aos cargos, votou pela preservação do mandato sob análise, nos termos de sua posse, a despeito do vício congênito em sua indicação.

Esse posicionamento terminou vencido, assim como o do relator, ministro Walton Oliveira, acompanhado por Antonio Anastasia. Para o relator, a revisão do ato seria de competência do TCU e se trataria de uma clara ilegalidade, estando ele “convicto de que o mandato dos membros das Agências Reguladoras não pode ultrapassar 5 anos (…) não importando se presidente ou conselheiro”.

Entretanto, como adiantado, os demais ministros acompanharam o voto divergente de Jorge Oliveira, seguindo o entendimento de que a escolha feita pela presidência da República se materializaria por ato político, indelegável e de discricionariedade absoluta. Prevaleceu, portanto, o voto pelo reconhecimento da preliminar e da incompetência do Tribunal para a revisão do ato. No acórdão constou o não conhecimento da Representação, por ausência de competência do TCU para o exame da matéria nela tratada, ficando prejudicada, e sem efeitos, a medida cautelar anteriormente referendada pelo Tribunal.

A decisão é paradigmática, com grande repercussão política, pois, caso o entendimento fosse diverso e os ministros tivessem avançado na análise de mérito, a mesma lógica seria aplicável à presidência de outras quatro agências reguladoras (Aneel, Anvisa, Ancine e ANS). Isto poderia significar, a depender do entendimento adotado, o “encurtamento” dos mandatos de seus respectivos representantes, proporcionando ao atual presidente da República a escolha destes, uma vez que seus mandatos terminariam antes do final de 2026.

Para além das implicações na esfera do poder executivo federal e da administração indireta, é um paradigma para o próprio TCU, uma vez que representa a autocontenção e deferência da Corte, que buscou encontrar os próprios limites para a sua atuação. 

Esse movimento de autolimitação, inclusive, não é uma novidade no âmbito do Tribunal. Como exemplo recente, é possível se destacar a determinação, pelo presidente do TCU, ministro Bruno Dantas, de criação de um Grupo de Trabalho (GT) a fim de adequar a fiscalização exercida pela Corte de Contas em operações ocorridas no âmbito do mercado de capitais3. Isto através do reconhecimento de que o TCU deveria abrir espaço para priorizar a fiscalização dos órgãos reguladores, a exemplo da CVM, na medida em que a sua expertise pode não ser suficiente para lidar com esses casos. O controle exercido pela Corte seria, portanto, de segunda ordem.  

A equipe de Direito Público do Bocater Advogados continuará acompanhando o tema, especialmente para verificar se o TCU continuará adotando decisões que poderão significar um padrão de busca pela autocontenção, e permanece à disposição para eventuais esclarecimentos.

 

 

 


1- A questão foi decidida pelo Acórdão-TCU 1584/2024, proferido na TC 001.016/2022-9 em 07.08.2024.

2- Acórdão-TCU 591/2022, proferido na TC 001.016/2022-9 em 23.03.2022.

3- A concepção do GT se deu ao término da sessão extraordinária realizada pelo Plenário do TCU em 09.04.2024, durante a qual foram examinados três processos que envolviam operações que contaram com a participação da BNDESPAR (TCs nº 036.606/2018-9, 033.879/2018-4 e 010.398/2017-1).

Autores(as)

Ana Luiza Vieira Moerbeck, Thiago Cardoso Araújo

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