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A arbitragem no Estatuto da Petrobras: está a União vinculada ao procedimento arbitral?

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A Operação Lava-Jato, para além da grande repercussão midiática e da responsabilização de diversos agentes políticos por práticas ilícitas e desvios de verbas, pôs em evidência o grande prejuízo sofrido pela Petrobras em decorrência dos eventos apurados.

Com o intuito de recuperar impactos financeiros bilionários, e em busca de ressarcimento dos fundos da empresa, acionistas da Petrobras deflagraram procedimentos arbitrais, que fornecem vantagens comparativas em relação ao procedimento judicial por contarem com maior celeridade e discrição. Embora não tenha havido a celebração de convenção arbitral específica para lidar com conflitos relativos aos casos, os procedimentos foram instaurados com fundamento no art. 58 do Estatuto da Petrobras, que afirma:

Art. 58. Deverão ser resolvidas por meio de arbitragem, obedecidas as regras previstas pela Câmara de Arbitragem do Mercado, as disputas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei nº 6.404, de 1976, neste Estatuto Social, nas normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional, pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários, bem como nas demais normas aplicáveis ao funcionamento do mercado de capitais em geral, além daquelas constantes dos contratos eventualmente celebrados pela Petrobras com bolsa de valores ou entidade mantenedora de mercado de balcão organizado, credenciada na Comissão de Valores Mobiliários, tendo por objetivo a adoção de padrões de governança societária fixados por estas entidades, e dos respectivos regulamentos de práticas diferenciadas de governança corporativa, se for o caso.
Até o momento, esses procedimentos determinaram que a União deve ressarcir em torno R$ 166 bilhões aos cofres da estatal. A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu ao Poder Judiciário para anular a sentença arbitral, argumentando que a arbitragem apenas se estabelece mediante acordo entre as partes e não há instrumento, seja em cláusula compromissória – celebrada antes do surgimento do conflito -, seja em compromisso arbitral – celebrada após a contenda -, que vincule a União aos procedimentos arbitrais em questão.

A primeira manifestação judicial a respeito foi a da 22ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo, que julgou procedente a ação declaratória proposta pela União, desvinculando-a do procedimento arbitral e, consequentemente, de responsabilidade eventualmente definida nessa esfera. Em seguida, a Fundação Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social (Mudes) suscitou conflito de competência no Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirmando que o juízo arbitral deve determinar questões atinentes à eficácia, validade e existência de cláusula compromissória. Essa alegação encontrou acolhimento no Tribunal Superior, que, por meio de decisão da Ministra Nancy Andrighi, publicada no dia 17 de fevereiro de 2021, anulou a decisão da 22ª Vara Cível de São Paulo, afirmando que ela teria adentrado competência reservada ao juízo arbitral. A Ministra Andrighi baseou-se no princípio da kompetenz-kompetenz, previsto no art. 8º, §1º da Lei nº 9.307/1996, e na disposição estatutária da arbitragem como meio para resolver conflitos entre acionistas.

A despeito desse entendimento do STJ, mas expressamente considerando-o, no último dia 28 de abril, a 7ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo suspendeu a execução da sentença arbitral e a sentença arbitral parcial proferidas nos procedimentos arbitrais 85/17 e 97/17, respectivamente. A decisão citou um precedente do próprio STJ, o conflito de competência 151.130, em que se interpretou restritivamente a cláusula de resolução de conflitos pela via arbitral prevista no Estatuto da Petrobras no caso de controvérsias que envolvessem a participação Administração Pública, de modo que, nesses casos, a instauração do procedimento se submeteria ao princípio da legalidade. O juízo entendeu que, não havendo os árbitros acolhido as ponderações relativas à sua competência, cabe, mediante exame judicial feito em caráter posterior ao procedimento, eventual anulação do laudo arbitral, hipótese prevista no art. 20, § 2º da Lei 9.307/96, que foi aplicada ao caso.

A nova decisão inicia mais uma etapa em que se impõe a pacificação de uma relevante questão jurídica: pode procedimento arbitral vincular a União sem celebração de convenção arbitral específica nos casos de conflitos entre acionistas da Petrobras?

Argumentos favoráveis à essa vinculação, conforme o advogado do caso argumenta em matéria para o Conjur, são no sentido de que o dispositivo estatutário que prevê a resolução de conflitos via arbitragem indica compromisso da Companhia com boas práticas de governança corporativa, tendo sido proposta por iniciativa e apoio da própria União em 2002. Além disso, a Lei de Arbitragem (nº 9.307/96) e a Lei das Estatais (nº 13.303/2016) possuem teor semelhante ao previsto no Estatuto da Petrobras, indicando ratificação da decisão de que conflitos sejam resolvidos pela via arbitral. Nessa linha de raciocínio, a concepção de que a União não seria um dos acionistas submetidos a essa regra seria um fator de insegurança jurídica.
Por outro lado, parece haver resistência dos órgãos judiciários. Pelo que se nota das referidas decisões de primeira instância, há entendimento de que os contornos estabelecidos no Estatuto da Petrobras não abarcam eventual responsabilização da União, de modo que seria necessário expresso consentimento para que o ente federativo se vinculasse a um procedimento arbitral. Isso ocorre porque a responsabilização solidária da União por eventuais más escolhas dos diretores da Petrobras ultrapassa os atos meramente societários e atinge o âmbito da responsabilidade civil extracontratual da União, o que não seria englobado pela previsão estatutária.

Essa indefinição contribui para o clima de incerteza sobre qual meio adotar para resolver conflitos de maneira eficiente. Além disso, o resultado da interpretação sobre a abrangência da previsão estatutária no que diz respeito à resolução de conflitos entre acionistas impactará o tempo que eles levarão para ser resolvidos quando versarem sobre a União, uma vez que, admitida a via arbitral, estima-se maior celeridade. Nesse sentido, independentemente da posição prevalecente – seja pela necessidade de ato posterior de manifestação de vontade da União de participação do procedimento arbitral, seja pela suficiência da previsão estatutária – a jurisprudência a se formar sobre a situação é de grande relevância, impondo que se acompanhe novas manifestações jurisdicionais. Diante da relevância da escolha jurisprudencial a ser feita sobre a situação, a equipe de Direito Público do Bocater Advogados, atenta às questões relativas a uma das principais empresas estatais do país, continuará acompanhando os desdobramentos dessa importante matéria, que urge ser pacificada pelo Poder Judiciário.

Fernando Ferreira, advogado (fferreira@bocater.com.br)
Ana Carolina Alhadas, advogada (avaladares@bocater.com.br)
Paulo Eduardo Rocha, estagiário (procha@bocater.com.br)

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