Boletim Bocater

Concessão da BR-163/MT: os limites dos TACs firmados pela Administração Pública

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Na sessão ordinária de 28 de setembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) realizou o julgamento da Tomada de Contas (TC) nº 019.064/2022-5, de relatoria do ministro Bruno Dantas, sobre a proposta de concessão da BR-163, no Mato Grosso, para empresa de economia mista daquele Estado.

O julgamento resultou no Acórdão nº 2.139/2022[1], com a anuência do Tribunal para a celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre a Concessionária Rota do Oeste S.A. (CRO) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), em razão dos inadimplementos contratuais incorridos pela concessionária ao longo da execução do contrato de concessão da BR-163/MT. A rodovia abrange 19 municípios do estado do Mato Grosso, além de ser uma importante via de escoamento da produção de soja, milho e algodão, commodities que colocam o estado de Mato Grosso entre os maiores exportadores dentre os demais estados brasileiros.

As alegadas irregularidades incorridas pela Concessionária já haviam sido analisadas pelo TCU em outra oportunidade, notadamente no âmbito do Acórdão nº 2.644/2019[2]. Quando daquele julgamento, o Tribunal expediu determinações e recomendações à ANTT para que a Agência promovesse o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato e executasse as garantias contratuais em decorrência dos supostos descumprimentos contratuais perpetrados pela concessionária.

Em razão do teor do Acórdão nº 2.644/2019, a CRO apresentou à ANTT um pleito para a celebração de um TAC, com o propósito de equacionar os inadimplementos contratuais incorridos pela Concessionária e, portanto, dar cumprimento às obrigações contratuais assumidas pela Concessionária que não foram implementadas ao longo da execução do contrato. Para além desse pedido, a Concessionária Rota do Oeste ainda requereu à agência reguladora a transferência de seu controle acionário, detido pela Odebrecht Transport S.A. (OTP), para outro player do mercado, em razão da sua insolvência eminente.

Antes de analisar o mérito desses pedidos, a ANTT remeteu a documentação apresentada pela CRO ao TCU para que o Tribunal se manifestasse sobre a possibilidade de celebração de tal ajuste[3] e, ainda, sobre a viabilidade da efetivação dessa operação societária frente às determinações e recomendações constantes no Acórdão nº 2.644/2019.

O ineditismo do caso em análise não reside na celebração do TAC entre a Concessionária e o Poder Concedente[4], nem mesmo na transferência do controle acionário da CRO para outro operador[5]. A originalidade da operação está no recurso ao Termo de Ajustamento de Conduta como o instrumento apto a viabilizar a assunção do controle da concessionária por uma sociedade de economia mista do estado de Mato Grosso, especificamente, pela MT Participações e Projetos S.A. (MT-PAR)[6].

Em linhas gerais, com o estabelecimento desse ajuste e a efetivação da substituição do atual controlador da CRO pela MT-PAR, haveria a garantia da realização dos investimentos necessários à exploração da rodovia sem que houvesse qualquer impacto sobre a continuidade da prestação do serviço público.

Ao realizar a instrução processual, a SeinfraRodoviaAviação – unidade instrutora designada para  analisar o caso – pontuou que: (i) haveria uma impossibilidade jurídica para a efetivação da transferência do controle em razão da não identificação, no caso concreto, de uma hipótese de insolvência iminente, requisito exigido pela cláusula 25.1 do Contrato de Concessão para a realização dessa operação societária; (ii) com a assinatura do TAC, seriam realizadas alterações das obrigações e da matriz de risco previstas no contrato que exorbitariam as matérias usualmente tratadas nesses ajustes; (iii) a viabilidade da operação não estaria demonstrada[7]; (iv) a MT-PAR não preencheria os requisitos de qualificação econômico-financeira exigidos no edital de licitação; e, (v) a ANTT deveria ponderar sobre a vantagem da realização de uma solução definitiva, qual seja, a assinatura de um novo contrato, comparativamente à operação ora analisada.

No entanto, ao analisar a proposta de encaminhamento formulada pela Unidade Técnica, o ministro relator divergiu de algumas das conclusões apresentadas pelo corpo técnico do Tribunal, uma vez que, no caso concreto, haverá a transferência do controle da concessão para uma empresa estatal e não para uma empresa privada.

Quanto à impossibilidade de celebração do TAC, em razão da não evidenciação da insolvência eminente da concessionária, o relator ponderou que, em razão do não encerramento do processo de anuência para transferência de controle, no âmbito da ANTT, não haveria impedimento à assinatura do ajuste. Ainda assim, o ministro propôs, em seu voto, que fosse dada ciência à ANTT acerca da necessidade de adoção de medidas saneadoras para que a condição de insolvência fosse formalmente fundamentada.

Em seu voto, o ministro Bruno Dantas também discordou da afirmação da SeinfraRodoviaAviação de que as “alterações de obrigações e alteração da matriz de risco do contrato são matérias alheias a um processo de TAC”. Isso porque, em sua visão, a celebração de um TAC tem aplicações mais amplas do que a mera correção de descumprimentos de obrigações contratuais, legais ou regulamentares. Assim, de acordo com o ministro relator, a opção pela celebração do ajuste se insere em um contexto de reconhecimento de necessidade de maior eficiência administrativa, por meio de formas mais flexíveis para lidar com a dinamicidade e a complexidade do Direito Público contemporâneo, como, por exemplo, os contratos de parcerias e investimentos.

Com relação à sustentabilidade econômico-financeira do projeto, Bruno Dantas acatou os esclarecimentos apresentados pela CRO e pela MT-PAR de que as dívidas da concessionária não seriam quitadas com o montante de R$ 1,2 bilhão a ser integralizado na Concessionária pelo novo controlador. Pontou, ainda, que a sustentabilidade da operação demanda a análise da capacidade econômico-financeira do novo controlador e esclareceu que os normativos que disciplinam a transferência das concessões ou de seu controle acionário[8] não estabeleceram a necessidade de observância, por parte do novo controlador, dos mesmos requisitos de habilitação econômico-financeira impostos ao concessionário original.

Para além da análise dos pontos indicados pela Unidade Técnica, o ministro relator ainda resgatou uma proposta inicialmente apresentada pelo Governo do Mato Grosso, para que ficasse consignado que, caso a MT-PAR viesse a alienar parcela de sua participação acionária na Concessionária, esses valores deveriam ser empregados em outra rodovia do estado, por meio da realização de investimentos cruzados.

Ainda que o caso em análise crie expectativas nos agentes que atuam no setor de infraestrutura, em razão da aprovação, pelo TCU, do recurso ao TAC, como ferramenta para resolver graves inadimplementos contratuais, essa decisão deve ser lida à luz das especificidades do caso concreto, em que houve a assunção, por parte de uma entidade pública, das obrigações originalmente assumidas por um particular. Assim, considerando que a adoção desse instrumento consensual envolve a atuação de dois entes públicos, ele corresponde à estrutura capaz de oferecer às partes a melhor alternativa para a realização do interesse público.

Quanto à efetiva transferência do controle acionário da Concessão da CRO para a MT-PAR, esta ainda depende da conclusão, por parte da ANTT, do processo de anuência para a transferência de controle.

A equipe de Direito Público do Bocater, Camargo, Costa e Silva e Rodrigues, Advogados continuará acompanhando os desdobramentos desse tema de extrema relevância e impacto para o mundo jurídico.

 

[1] Acórdão nº 2139/2022 – “Concessão da BR-163/MT. Proposta de Termo de Ajustamento de Conduta e transferência do controle acionário. Assunção do controle da concessão por sociedade de economia mista do estado do Mato Grosso. Não identificação de óbices à celebração do TAC. Ciências e recomendações”.
[2] Acórdão nº 2.644/2019 – “Representação. Indícios de irregularidades verificados na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) relacionados à gestão do contrato de concessão da BR-163/MT. Não adoção da garantia de execução, a despeito da inexecução contratual. Não adoção de medidas tendentes à declaração de caducidade da concessão. Aplicação de descontos tarifários insuficientes para o reequilíbrio econômico-financeiro decorrente da inexecução dos investimentos. Oitivas. Conhecimento. Procedência. Determinações”.
[3] O TCU já realizou o acompanhamento de outros processos de celebração e TAC, por exemplo, os TACs celebrados pela Anatel com as empresas Telefônica, TIM e Algar, Acórdãos 2.121/2017-Plenário, 548/2020-Plenário e 618/2020-Plenário, respectivamente.
[4] A propositura de termos de ajustamento de conduta é usual, no âmbito da Administração Pública, e configura uma prerrogativa do interessado em corrigir determinada conduta passível de autuação pelo órgão fiscalizador, como disciplinado pela Lei nº 7.347/85, pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e pelo Código de Processo Civil.
[5] A própria Lei de Concessões (Lei nº 8.987/95) permite, em seu art. 27, a transferência da concessão ou do controle societário da concessionária, após a obtenção da prévia anuência do poder concedente, desde que o novo concessionário atenda às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal e se comprometa a cumprir as cláusulas do contrato em vigor.
[6] O estado do Mato Grosso detém 99,99% das ações da MT-PAR.
[7] De acordo com a Unidade Técnica: “a viabilidade da operação não estaria demonstrada nos autos por meio de um fluxo de caixa; o aporte inicialmente previsto de R$ 1 bilhão seria inferior ao passivo circulante registrado no último balanço da CRO e ainda haveria incerteza quanto à manutenção de mútuos com partes relacionadas no valor de R$ 450 milhões com vencimentos entre um e dois anos”.
[8] Nesse sentido: art. 27 da Lei nº 8.987/1995; os arts. 29 e 30 da Lei nº 10.233/2001; e, o art. 16 da Resolução ANTT nº 5.927/2001.

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