Hoje em dia, por onde quer que se ande, assuntos econômicos estão em todas as rodas de conversas. Desde aquelas sobre o “preço de tudo” até recomendações de investimentos, passando por opiniões a respeito da taxa de juros do país, todos acompanham assuntos econômicos, em maior ou menor profundidade.
Essa é uma das conquistas do desenvolvimento da economia brasileira para modelos e sistemas mais modernos, tecnológicos e integrados, em um processo que remonta à estabilização do valor da moeda nacional, do câmbio e da taxa de juros que perdura há, pelo menos, 30 anos.
Outra conquista do desenvolvimento econômico do país foi o crescimento do mercado de capitais brasileiro. Em um cenário onde a inflação superava 1.000% ao ano, investimentos em renda fixa lastreados em títulos de governo seduziam a maioria da população, ansiosa por proteção do poder de compra do seu salário, não por geração e acúmulo de riqueza. Quando as políticas fiscais e monetárias do país permitiram a redução da inflação e da taxa de juros, investimentos em renda variável passaram a compor a carteira dos investidores brasileiros que buscam rendimentos maiores do que aqueles proporcionados ou atrelados a títulos do governo federal.
Nos últimos anos, há que se destacar o crescimento do número de investidores em mercados de renda variável no Brasil. Apenas em renda variável, em 2018 havia cerca de 800 mil pessoas físicas operando nos mercados da B3. O ano de 2023 começou com 5 milhões de CPFs operando renda variável na bolsa de São Paulo. Ao total, são cerca de 17 milhões de pessoas operando renda fixa e variável atualmente na B3, crescimento de 22% em relação a 2022.
Certamente, a imensa maioria das pessoas que operam na bolsa sabe tratar-se de mercados onde são negociados valores mobiliários. Poucos, no entanto, sabem como esses negócios são operacionalizados. O que acontece quando alguém dá uma ordem para sua corretora? Como o valor mobiliário ou o ativo financeiro é transferido entre contas de custódia? Quem registra esses comandos de movimentação de custódia? E como tudo isso conversa com a parte financeira da operação?
A resposta para essas perguntas está diretamente relacionada às infraestruturas de mercado financeiro e de capitais. Essas infraestruturas são as engrenagens[1] que viabilizam a execução de toda e qualquer transação bancária, financeira e de mercado de capitais – no Brasil e no mundo – movimentando os recursos das partes nela envolvidas por meio de sistemas que realizam as atividades de depósito centralizado, custódia, compensação, liquidação e registro.
Em 2012, o Bank of International Settlements (BIS) publicou o Principles for Financial Market Infrastructures, editado pelo seu Committee on Payment and Settlement Systems (CPSS) e pela International Organization of Securities Commissions (IOSCO), contendo as diretrizes internacionais que devem pautar a regulação local das infraestruturas de mercado financeiro e de capitais. São vinte e quatro parâmetros normativos relacionados a questões de governança, gestão de risco de crédito, liquidez, compensação, custódia e garantia, que devem ser observadas pelos legisladores e reguladores de mercados financeiros e de capitais para garantir que as infraestruturas desses mercados sejam sólidas, robustas e capazes de suportar eventuais crises financeiras.
No mercado de capitais brasileiro[2], a implementação dos Principles for Financial Market Infrastructures se deu por meio de alterações pontuais às Lei nº 4.595/64 e Lei 6.385/76 e da edição de regulamentações temáticas pelo Banco Central[3] e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM)[4].
A esse respeito, cabe ressaltar que a sobreposição de entidades reguladoras – Comissão de Valores Mobiliários, Banco Central e Conselho Monetário Nacional (CMN) – e a competência conferida a cada uma delas para produzir normas fizeram com que o custo de observância incidente sobre as infraestruturas de mercado financeiro e de capitais sejam extremamente elevados, onerando os custos de transação das operações executadas nos mercados organizados de valores mobiliários e ativos financeiros.
Destaque-se também que, com os Principles for Financial Market Infrastructures, o BIS publicou sua metodologia de avaliação acerca da implementação daqueles princípios. Em 2020, o BIS atestou que a legislação brasileira, seu arcabouço regulatório e sua estrutura de supervisão de operações são completos e condizentes com os Principles for Financial Market Infrastructures, mas recomendou o avanço regulatório em áreas como sistemas de pagamento, compensação, registro e depósito centralizado.
Nessa linha, o Projeto de Lei nº 2.926/2023 foi enviado pelo Poder Executivo ao Senado Federal com o objetivo de legislar sobre as instituições operadoras de infraestruturas do mercado financeiro no âmbito do Sistema de Pagamentos Brasileiros, consolidando a normatização nacional e reforçando a implementação dos princípios do BIS.
Trata-se de oportunidade para consolidar e aprimorar, em termos legislativos, os avanços que já foram obtidos até o momento no ambiente regulatório do mercado financeiro. É de fundamental importância para o desenvolvimento da economia nacional que o Projeto de Lei nº 2.926/2023 tramite pelos trilhos atualizados das inovações tecnológicas, inspirado pelas melhores práticas internacionais, estimulando, por exemplo, a concorrência entre diversos operadores de uma mesma infraestrutura de mercado financeiro e de capitais; a criação de repositório único e compartilhado de informações cadastrais de investidores; e a consolidação de plataformas e sistemas tecnológicos de registro distribuído – vide Distributed Ledger Technologies (blockchain) – como partes essenciais das etapas de negociação e pós-negociação para a redução dos custos dos serviços de liquidação, custódia, registro e depósito centralizado.
Se, até recentemente, as infraestruturas de mercado financeiro e de capitais estiveram abaixo dos radares dos investidores, reguladores e legisladores brasileiros, os sinais apontam para novos tempos de rápida expansão, novos players e alta competitividade por preço, tecnologia e qualidade de serviço, em benefício da economia brasileira e da poupança popular.