Boletim Bocater

O árbitro de emergência e seu reconhecimento pelo Poder Judiciário: o caso da Concessionária do aeroporto de Confins

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Quando estabelecida a cláusula compromissória arbitral em um contrato, as partes contratantes comprometem-se a submeter a resolução do seu conflito decorrente daquele contrato à arbitragem, renunciando, portanto, ao acesso via Poder Judiciário.

No período anterior à instituição do tribunal arbitral, contudo, acontece de as partes precisarem formular pedidos liminares, cuja apreciação deve ocorrer em caráter de urgência, com o máximo de brevidade. Nessa hipótese, recorre-se invariavelmente ao Poder Judiciário, já que não há ainda tribunal arbitral instituído com competência para examinar aquele pedido urgente. É o que prevê o art. 22-A da Lei de Arbitragem.[1]

Para as partes que não desejam submeter seu pedido liminar ao Poder Judiciário, é possível que se utilizem da figura do árbitro de emergência – também chamado de árbitro provisório ou árbitro de apoio –, cuja previsão encontra-se em regulamentos de certas câmaras arbitrais brasileiras, tais como: a Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – Brasil (CAMARB), a Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM) e o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC).

Uma vez examinada o pedido de antecipação de tutela pelo árbitro e, posteriormente, instituído o tribunal arbitral, exaure-se a jurisdição do árbitro de urgência. O tribunal arbitral nomeado, ato contínuo, poderá confirmar, modificar ou mesmo revogar a tutela anteriormente deferida. É que embora o art. 22-B da Lei de Arbitragem estabeleça que “Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário, o referido dispositivo legal pode ser utilizado analogicamente às medidas cautelares ou de urgência concedidas pelo árbitro de emergência.

Existem dois modelos disciplinando o emprego do árbitro de emergência, os quais variam a depender da câmara arbitral indicada na convenção de arbitragem. São eles: o modelo opt in e o modelo opt out.

No modelo opt in, utilizado em câmaras de arbitragem como a CAM-CCBC[2], as partes podem convencionar que aderem ao uso do árbitro de emergência, nos termos do regulamento da câmara arbitral escolhida. Se nada dispuserem, e permanecerem em silêncio, o árbitro de emergência não será utilizado.

No modelo opt out, utilizado em Câmaras como a Câmara de Arbitragem e Mediação da Federação das Indústrias do Paraná (CAM-FIEP)[3], se nada dispuserem as partes a respeito do árbitro de emergência, ele será automaticamente utilizado. Nesse sentido, caso não tenham interesse em sua utilização, as partes devem expressamente afastar sua previsão, sob pena dela produzir seus efeitos.

No Brasil, a prática do árbitro de emergência ainda é pouco explorada, se comparada à prática internacional. A doutrina costuma apontar que esse expediente ainda não conta com a adesão dos arbitralistas e partes brasileiras em geral, tendo em vista que a decisão liminar proferida pelo árbitro de emergência, se descumprida, exige o apoio do próprio Poder Judiciário, o que pode provocar demora e comprometimento do direito.[4]

Segundo pesquisa coordenada professor Francisco Cahali, como principais características do instituto objeto deste texto tem-se, geralmente, a existência de um corpo permanente de árbitros de emergência à disposição das Instituições Arbitrais para proferir tais decisões de caráter urgente. É possível também que a apreciação de tais pedidos seja realizada pelo próprio presidente da Instituição Arbitral. Aponta a pesquisa, ademais, que é comum a vedação ao árbitro de urgência para atuar em arbitragem futura envolvendo as mesmas partes e a aquela matéria de fundo antes examinada.[5]

Exatamente em razão da urgência, os prazos do procedimento referente ao árbitro de emergência são curtos. Em regra, a parte formula o pedido liminar perante a Instituição Arbitral, que, ato contínuo, nomeia o árbitro de emergência. Posteriormente, não impugnada sua nomeação, é aberto prazo para parte contrária se manifestar a respeito do pedido liminar, em atenção ao contrário e ampla defesa. Por fim, não sendo necessária manifestações adicionais e providências probatórias, o árbitro de emergência profere sua decisão.

Em termos de jurisprudência, poucos são os julgados no Brasil que trataram da figura do árbitro de emergência até o momento.

Decisão judicial recente que chamou atenção dos operadores do Direito foi a sentença proferida, em 18.12.2023, pelo magistrado da 8ª Vara Federal do Distrito Federal, que reconheceu a figura do árbitro de emergência em certo litígio, tendo em vista sua previsão em uma cláusula compromissória disposta em um contrato de concessão.

No caso concreto, a Concessionária do Aeroporto Internacional de Confins impetrou mandado de segurança com pedido liminar contra o Diretor-Presidente da ANAC, a Secretaria Nacional de Aviação Civil e o Presidente da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária, requerendo liminarmente a suspensão de parte do valor da contribuição fixa (outorga) devida pela concessionária, a ser pago em 18.12.2023.

A sentença proferida em dezembro de 2023 extinguiu o processo sem resolução do mérito, em razão da existência de convenção de arbitragem no caso concreto. Em sua fundamentação, o magistrado reconheceu, ainda, a competência do árbitro de urgência para o julgamento do pedido liminar, ao apontar para sua expressa previsão na cláusula 16.16. do contrato de concessão celebrado. Confira-se o teor da cláusula:

“16.16 Havendo necessidade de medidas cautelares ou de urgência antes de instituída a arbitragem, a parte interessada deverá requerê-las ao árbitro de emergência nos termos do regulamento da Câmara de Arbitragem eleita na forma do item 16.9 e seus subitens, cessando sua eficácia caso a arbitragem não seja requerida no prazo de 30 (trinta) dias da data de efetivação da decisão”

 

Sem adentrar às discussões mais profundas relativas ao caso concreto, é interessante observar, ao menos, o reconhecimento do Poder Judiciário quanto à obrigatoriedade do uso do árbitro de emergência, quando previsto. Tal reconhecimento é um interessante indicativo de que os magistrados, não raras vezes, têm a intenção de conviver de forma harmônica com o instituto da arbitragem, respeitando seus limites de atuação e competência, observando, sobretudo,  a autonomia privada das partes que optaram pela utilização do árbitro de emergência.

 


 

[1] Art. 22-A.  Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência.   Parágrafo único.  Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de efetivação da respectiva decisão.[2] Capítulo IX – ÁRBITRO DE EMERGÊNCIA E MEDIDAS DE URGÊNCIAArtigo 21 – Árbitro de Emergência

21.1 Antes da constituição do tribunal arbitral, a parte que necessitar de medidas de urgência poderá requerer a designação de um árbitro de emergência, salvo se as partes tiverem convencionado em sentido contrário.

21.2 O árbitro de emergência poderá adotar quaisquer medidas, conforme artigo 22.1, que, por sua natureza, não possam aguardar a constituição do tribunal arbitral.

21.3 O árbitro de emergência sujeitar-se-á aos mesmos deveres de independência e imparcialidade previstos no artigo 9.2.

21.4 A instituição de procedimento de árbitro de emergência não implica a renúncia, pelas partes, de outras medidas de urgência perante a autoridade judicial competente.

21.5 O procedimento de árbitro de emergência seguirá as regras previstas no anexo I.

[3] SEÇÃO II – ARBITRAGEM DE EMERGÊNCIA

Art. 7º – Árbitros de Emergência 7.1. A CAMFIEP manterá um corpo permanente de Árbitros de Emergência à disposição das Partes, com o objetivo de atender às solicitações de medidas de urgência requeridas antes da instituição da Arbitragem e que não possam aguardar pela constituição de Tribunal Arbitral para serem apreciadas. 7.2. O corpo de Árbitros de Emergência conterá no mínimo 5 (cinco) Árbitros, designados mediante adesão voluntária dentre os membros da lista de Árbitros da CAMFIEP, devendo estar disponíveis para atuar na cidade de Curitiba (PR) ou, se for o caso, por via remota. Poderá ser designada para atuar como Árbitro de Emergência pessoa integrante da lista de Árbitros que não esteja especificamente relacionada no corpo de Árbitros de Emergência, desde que confirme a sua disponibilidade. 7.3. O Árbitro que apreciar o pedido de medida urgente em regime de Arbitragem de Emergência ficará impedido de atuar como Árbitro único ou integrante do Tribunal Arbitral que julgará o litígio relativo à medida urgente ou litígio conexo constituído na forma do art. 13 do presente Regulamento. Uma vez constituído o Tribunal Arbitral, este poderá revogar, anular ou tornar sem efeito a medida urgente anteriormente concedida, bem como realocar os custos da Arbitragem de Emergência. 7.4. Os Árbitros de Emergência serão remunerados em montante fixo determinado pelo Conselho Diretor da CAMFIEP na forma da Tabela de Custas e Honorários anexa ao presente Regulamento. 7.5. As Partes que desejarem excluir a aplicação do regime de Arbitragem de Emergência poderão prever esta exclusão expressamente em sua Convenção Arbitral, caso em que não será aplicável o procedimento previsto nesta Seção, devendo as medidas urgentes anteriores à instituição da Arbitragem (item 13.7 deste Regulamento) ser submetidas ao órgão judiciário competente. 7.6. A ausência da exclusão prevista no item 7.5 deste Regulamento não impedirá a parte interessada de requerer ao órgão judiciário competente as medidas urgentes necessárias anteriormente à instituição da Arbitragem nem dará ao demandado o direito de obter a extinção da medida judicial, cabendo sempre ao demandante da medida optar livremente, em cada caso, por requerê-la ao órgão judicial até o momento em que a requerer ao Árbitro de Emergência.

[4] CAHALI, Francisco José. Árbitro de emergência e arbitragem multipartes – considerações gerais e resultado da pesquisa do grupo de pesquisa em arbitragem da puc-sp – projeto II – 2º semestre de 2015. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 51/2016, p. 113 – 121, Out-Dez 2016.

[5] Ibidem.

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