Boletim Bocater

Presidente regulamenta as debêntures de infraestrutura

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Nesta terça-feira (26/03), o presidente da República assinou o Decreto nº 11.964/2024, que regulamenta as debêntures de infraestrutura, recentemente inseridas no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei nº 14.801/2024. O Decreto é um importante passo para a efetivação e operacionalização da emissão dos novos títulos1.

O Executivo federal, por meio do Decreto, estabeleceu os critérios e condições para o enquadramento e acompanhamento dos projetos considerados como prioritários na área de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Esse direcionamento, pautado pela busca da sustentabilidade ambiental2 e do equilíbrio fiscal, reflete a priorização dos investimentos que proporcionem benefícios sociais e/ou ambientais relevantes.

Nessa perspectiva, os projetos prioritários foram distribuídos em 15 áreas específicas3, evidenciando a abrangência e a diversidade das iniciativas contempladas, abarcando desde logística e transporte, energia, saneamento básico, segurança pública até habitação social. A escolha dessas áreas se baseia justamente em seu potencial para impulsionar o desenvolvimento socioeconômico do país.

Com o intuito de vincular ainda mais os recursos mobilizados à concretização do interesse público, o Decreto estabelece que a emissão dos valores mobiliários com benefícios fiscais – abrangendo tanto as debêntures de infraestrutura quanto as debêntures incentivadas – será limitada ao montante equivalente às despesas de capital dos projetos de investimento. Essa medida visa garantir que os benefícios fiscais concedidos estejam diretamente alinhados com os investimentos realizados em prol do desenvolvimento da infraestrutura nacional.

Nesse sentido, os projetos de investimento na área de infraestrutura também devem atender a duas outras condições específicas e simultâneas: (i) ser objeto de instrumento de concessão, permissão, autorização, arrendamento ou, no caso dos projetos de saneamento básico, do contrato de programa; e, (ii) envolver ações de implantação, ampliação, recuperação, adequação ou modernização. Além disso, será possível considerar como parte dos projetos as ações e intervenções complementares destinadas a reduzir ou mitigar emissões de gases de efeito estufa, na forma a ser regulamenta por portaria ministerial setorial.

Além disso, conforme previsto originalmente na Lei nº 14.801/2024 e replicado em seu regulamento, uma das grandes novidades das debêntures de infraestrutura é a desburocratização do procedimento de emissão dos títulos, não sendo mais necessária a autorização ministerial prévia para aprovação dos projetos de investimento. Cabe ao emissor se certificar de que foram atendidos todos os critérios de enquadramento previstos. Com isso, se confere maior agilidade e eficiência aos procedimentos, estimulando o interesse de investidores e viabilizando a rápida implementação dos projetos estratégicos.

Apesar de a emissão dispensar a autorização ministerial prévia, o Decreto deixa a cargo das portarias setoriais a responsabilidade de elencar critérios complementares e, eventualmente, restringir o enquadramento de determinados subsetores ou tipos específicos de projetos4. Essa prerrogativa, embora permita que os critérios sejam estabelecidos de acordo com as especificidades de cada um dos 15 setores prioritários, também pode vir a gerar divergências interpretativas quanto aos requisitos para a qualificação dos projetos, levando a assimetrias regulatórias.

Nesse contexto, embora o Decreto se alinhe com as diretrizes mínimas previstas na Lei nº 14.801/20245, foi aberta uma janela de competências discricionárias para os Ministérios, o que pode acabar prejudicando a uniformidade e clareza dos critérios complementares que venham a ser previstos pelas portarias setoriais. Para mitigar esse risco, será necessário um investimento na qualidade da transparência das informações6 e uma atuação integrada entre os órgãos públicos envolvidos7.

Em resumo, a promulgação do Decreto nº 11.964/2024 representa um marco significativo no cenário econômico e regulatório brasileiro, ao estabelecer as bases para a emissão e operacionalização das debêntures de infraestrutura. O regulamento busca promover a sustentabilidade ambiental e a eficiência na alocação de recursos públicos e privados.

No entanto, é importante reconhecer os desafios regulatórios que podem surgir, especialmente em relação à interpretação e aplicação das normas por parte dos órgãos setoriais. O sucesso e a efetividade dessas iniciativas dependerão da transparência, coordenação e a harmonização entre os diversos atores envolvidos, visando assegurar um ambiente regulatório claro, previsível e favorável ao desenvolvimento sustentável do setor de infraestrutura nacional.

A equipe de Direito Público do Bocater Advogados continuará acompanhando o tema e permanece à disposição para eventuais esclarecimentos.

 


1- Importante ressaltar que o Decreto nº 11.964/2024 também regulamenta as debêntures incentivadas (Lei nº 12.431/2011), considerando as alterações feitas com a entrada em vigor da Lei nº 14.801/2024.

2- No setor energia, ganharam prioridade os projetos ligados à transição energética e ambientalmente sustentáveis, sendo eles, exclusivamente, os projetos de geração por fontes renováveis, transmissão e distribuição de energia elétrica; gás natural; produção de biocombustíveis e biogás, exceto a fase agrícola; produção de combustíveis sintéticos com baixa intensidade de carbono; hidrogênio de baixo carbono; captura, estocagem, movimentação e uso de dióxido de carbono; e dutovias para transporte de combustíveis. Nesse sentido, foram excluídos os projetos do setor petrolífero. Aliás, o ministro Rui Costa afirmou que não faria sentindo fornecer incentivos a um setor que já possui alta rentabilidade (https://valor.globo.com/financas/noticia/2024/03/26/rui-costa-nao-faria-sentido-dar-incentivo-a-oleo-e-gas-em-decreto-de-debentures-de-infraestrutura.ghtml).

3- São elas: logística e transporte; mobilidade urbana; energia; telecomunicações e radiofusão; saneamento básico; irrigação; educação pública e gratuita; segurança pública e sistema prisional; parques urbanos públicos e unidades de conservação; equipamentos públicos culturais e esportivos; habitação social, exclusivamente os implementados mediante parcerias público-privadas (PPPs); requalificação urbana; transformação de minerais estratégicos para a transição energética; e iluminação pública.

4- Art. 4º do Decreto nº 11.964/2024: […] § 1º As portarias ministeriais setoriais […] estabelecerão os critérios e as condições complementares para enquadramento nos setores prioritários […] e poderão, inclusive, limitar o enquadramento a determinados subsetores ou tipos específicos de projetos.

5- Art. 5º da Lei nº 14.801/2024: […] § 2º O regulamento a que se refere o § 1º deste artigo: I – estabelecerá os critérios para o enquadramento dos projetos, dispensada a exigência de aprovação ministerial prévia para projetos nos setores prioritários nele listados; II – poderá estabelecer critérios e medidas destinados a incentivar o desenvolvimento de projetos que proporcionem benefícios ambientais ou sociais relevantes; III – deverá ser publicado bienalmente, até o dia 31 do ano anterior ao período em que deverá vigorar, ressalvado o primeiro regulamento a ser editado, que deverá ser publicado em até 30 (trinta) dias após a publicação desta Lei; e IV – poderá ser alterado para incluir setores em que investimentos tenham se tornado prementes por imperativos de ordem pública. § 3º Os critérios para o enquadramento dos projetos previstos no inciso I do § 2º deste artigo deverão incluir: I – setores com grande demanda de investimento em infraestrutura; ou II – projetos com efeito indutor no desenvolvimento econômico local ou regional.

6- A respeito da transparência, o art. 10 do Decreto nº 11.964/2024 prevê que “a CVM deverá colocar à disposição para consulta, em seu sítio eletrônico, a relação das ofertas de valores mobiliários com benefícios fiscais, certificados de recebíveis imobiliários e cotas de fundos de investimento em direitos creditórios, com o montante de cada emissão, referentes aos projetos prioritários”.

7- A emissão das debêntures de infraestrutura irá envolver, no limite, a atuação da Comissão de Valores Imobiliários (CVM); do Ministério setorial responsável por cada projeto; do Ministério da Fazenda; da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil; e do Tribunal de Contas da União.

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