O Projeto de Lei nº 4188/2021, de autoria do Poder Executivo, institui o marco legal para o uso de garantias destinadas à obtenção de crédito no país. O objetivo é dispor sobre o serviço de gestão especializada de garantias; aprimorar regras de garantia; prever resgate antecipado de letras financeiras; excluir o monopólio da Caixa Econômica Federal em relação a penhores civis; entre outras medidas.
Recentemente, em 12 de julho, o projeto foi remetido novamente à Câmara dos Deputados, após alterações no texto efetuadas pelo Senado.
Entre as alterações trazidas pelo Senado, destaca-se uma das previstas na Emenda 27, a que acrescenta no art. 7º da Lei dos Cartórios (Lei n. 8.935/94) previsão de que “aos tabeliães de notas também compete, sem exclusividade, entre outras atividades: […] II – atuar como mediador ou conciliador; III – atuar como árbitro”.
Essa previsão tem sido motivo de consideráveis críticas pela doutrina e operadores do direito que trabalham com arbitragem.
Em nota técnica datada de 20 de junho deste ano, direcionada ao Senado, o Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) aponta ao menos três aspectos negativos que desaconselham a aprovação do projeto.
O primeiro aspecto diz respeito à desnecessidade de tal previsão. Como se sabe, a atividade de árbitro, mediador ou conciliador é colocada ao alcance de todos pela Lei de Mediação e Lei de Arbitragem. Basta ter capacidade civil e merecer a confiança das partes em conflito para atuar nesses cargos. Dessa maneira, é de boa hermenêutica considerar que a lei não contém palavras inúteis. Eventual acréscimo no art. 7º da Lei dos Cartórios é, em verdade, desnecessário e deve ser rejeitado por tal razão.
O segundo aspecto está na discriminação inversa da potencial norma, tendo em vista que faz menção confirmatória apenas à determinada categoria de agentes, em detrimento das demais, igualmente capazes e disponíveis para figurarem como árbitros, mediadores ou conciliadores. A Lei de Arbitragem e de Mediação já é ampla nas categorias profissionais que podem atuar como árbitro e mediador, não parecendo adequado incluir norma no ordenamento com menção específica e expressa tão somente aos tabeliães de nota.
Por fim, o terceiro aspecto negativo que desaconselha a aprovação do projeto diz respeito ao induzimento em erro que a nova previsão pode acarretar. Isso porque, caso aprovada, tal previsão legal pode produzir a errônea impressão de preferência do legislador quanto aos titulares de delegação do Poder Público, no que diz respeito ao exercício da função de árbitro.
Como bem salienta a nota, “certo de que esses delegados do Poder Público mantêm estabelecimentos cartoriais em que se praticam um sem-número de atos jurídicos sob a responsabilidade daqueles titulares, a indicação que lhes faça nominativamente a lei pode estabelecer a equivocada noção de que a arbitragem/mediação conduzida por um desses agentes será realizada no âmbito do cartório, como ato dotado de caráter por assim dizer público”.
E complementa a nota: “esta assimilação constitui evidente absurdo, desde logo porque a arbitragem e a mediação são atividades essencialmente privadas, incompatíveis com a competências do notário, tabelião, oficial de registro ou registrador como delegatário do Poder Público. Assim, se o titular de delegação do Poder Público vier a atuar como árbitro ou mediar, exercerá esse múnus na qualidade de pessoa física, e não como titular de delegação do Poder Público e seus atos serão, desse modo, totalmente estranhos ao cartório que esteja sob sua responsabilidade”.
Apesar de o processo legislativo ainda não ter se encerrado, a Emenda ao PL nº 4188/2021 é objeto de estudo e análise do escritório Bocater, uma vez que traz consequências às normas atinentes aos métodos adequados de resolução de conflito.
A nossa equipe de arbitragem seguirá acompanhando os desdobramentos do tema para análise mais detalhada em momento oportuno.