O Poder Executivo elaborou projeto de lei que normatiza o financiamento à exportação de bens e serviços pelo Banco Nacional do Desencolvimento Econômico e Social (BNDES). Trata-se do PL 5719/2023 que, atualmente, está pendente de Despacho pelo presidente da Câmara dos Deputados.
O projeto introduz novas diretrizes para o financiamento à exportação de serviços pelo BNDES, com o intuito de viabilizar a retomada dessa política pública em linha com os padrões internacionais mais eficazes. A proposta ganha força em meio à importante decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) em processo que apurou eventuais irregularidades em operações de crédito realizadas pelo banco de fomento, destinadas a empreendimentos rodoviários no exterior.
Na ocasião, o Plenário do TCU decidiu, por maioria, acolher integralmente as defesas de ex-gestores e técnicos do BNDES que participaram das operações em questão, entendendo pela ausência de erro grosseiro e dolo em suas condutas. O voto vencedor do julgamento, proferido em revisão pelo ministro Vital do Rêgo, ponderou que o termo “exportação de serviços” é de natureza jurídica indeterminada, notadamente caracterizado pela entrada de moeda estrangeira na balança comercial brasileira.
O resultado do julgamento tem extrema relevância para o cenário nacional, pois confere uma sólida base de segurança jurídica para a retomada e implementação de políticas públicas semelhantes no país, em consonância com as disposições estabelecidas no PL 5719/2023. Para tanto, o art. 1º desse projeto autoriza a criação de subsidiárias pelo BNDES – que, inclusive, poderão financiar operações de crédito no exterior – seguindo o espírito da Lei nº 11.908/20091.
Outra relevante proposta do PL 5719/2023 é alteração da Lei n°10.184/2001 por meio da inclusão dos artigos 3-A e 3-B, que delineiam as modalidades de apoio oferecidas pelo BNDES para operações de financiamento no comércio exterior, abrangendo tanto as fases pré-embarque quanto as pós-embarque2.
Com relação ao art. 3-A, o § 1º 3 esclarece que o financiamento concedido pelo BNDES às exportações de serviços estará sujeito às diretrizes e às orientações estabelecidas em regulamento pelo Poder Executivo federal, especialmente em relação à elegibilidade e comprovação das exportações. Quanto aos modos de prestação desses serviços, serão observadas as definições internacionais de exportação de serviços estipuladas pelo Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) da Organização Mundial do Comércio (OMC)4 , vigente desde janeiro de 19955.
Por sua vez, § 2º do art. 3-A6 tem como objetivo esclarecer que as condições para a realização do crédito estipuladas pelo BNDES em seu apoio às exportações de serviços seguirão padrões internacionais já adotados por outros órgãos brasileiros de apoio ao crédito à exportação, instituições financeiras, agências de crédito à exportação e organismos multilaterais.
No que se refere ao valor máximo do financiamento que o BNDES pode conceder em uma operação de crédito para exportação de serviços, o § 3º do art. 3-A7 estabelece que este valor será definido com base no valor do contrato comercial de exportação – que, então, passará a ser objeto de análise obrigatória pelo banco de fomento.
Esse limite deverá ser determinado em conformidade com as melhores práticas internacionais, como o Acordo sobre Normas de Conduta para Apoio Oficial em Créditos à Exportação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que excluem do cálculo do valor total a ser pago pelo importador os custos incorridos pelo exportador com bens e serviços adquiridos no país objeto do financiamento (gastos locais).
O § 4º do art. 3-A8 acrescentado pelo projeto de lei enfatiza a proibição de estabelecimento de novas operações de crédito entre o BNDES e pessoas jurídicas de direito público externo em situação de inadimplência com o Brasil, no contexto dos financiamentos destinados à exportação de serviços. Contudo, tal vedação não se aplica em casos em que haja formalização de acordo de renegociação da dívida.
Ademais, estabelece nos §§ 5º e 6º do art. 3-A9 a obrigação do BNDES de apresentar anualmente à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado um relatório com informações detalhadas sobre a carteira de financiamentos concedidos para exportação de serviços, bem como manter essas informações devidamente atualizadas em um sítio de acesso público, em observância aos princípios da transparência e publicidade.
Ponto relevante é que o PL 5719/2023 propõe o acréscimo do art. 3-B na Lei nº 10.184/200110, permitindo o financiamento de custos incorridos no país do importador, os chamados “gastos locais” – prática que, atualmente, é vedada ao BNDES. O limite da participação dos gastos locais ficará definido em regulamento do Poder Executivo. A medida está em linha com as melhores práticas internacionais e, para além disso, possibilitará que o BNDES atue em grau de maior competitividade com Bancos de Desenvolvimentos de outros países, como o KfW da Alemanha, o US Exim Bank dos Estados Unidos e o UK Export Finance do Reino Unido, que constantemente mudam suas políticas de financiamento, em uma atuação mais agressiva, para dominarem novos mercados.
A importância da aprovação do projeto consiste na singularidade do apoio à exportação de serviços, que simultaneamente estimula a criação de empregos por meio de uma fonte de demanda alternativa ao mercado interno e contribui para o fortalecimento do balanço de pagamentos ao gerar divisas em moeda estrangeira para o país.
A aprovação do PL 5719/2023, desse modo, contribuirá de maneira efetiva à promoção da exportação de bens ou serviços brasileiros, permitindo a retomada dessa política pública alinhada às melhores práticas internacionais e, sobretudo, garantindo segurança jurídica para os agentes envolvidos nas operações.
A equipe de Direito Público do Bocater Advogados continuará acompanhando a temática e está à disposição para mais esclarecimentos sobre o assunto.
1- Autoriza o Banco do Brasil S.A. e a Caixa Econômica Federal a constituírem subsidiárias e a adquirirem participação em instituições financeiras sediadas no Brasil. Atualmente, o BNDES está autorizado por lei apenas a criar subsidiárias no exterior. A criação de subsidiárias no país encontra previsão no Estatuto Social do BNDES.
2- A modalidade pré-embarque refere-se ao financiamento destinado à produção de bens específicos para exportação, como um capital de giro para a empresa produzir e exportar. A modalidade pós-embarque, por sua vez, é o financiamento disponibilizado para a comercialização no exterior dos itens exportados do Brasil.
3- §1º As operações de financiamento à exportação de serviços de que trata este artigo observarão as orientações quanto à elegibilidade, ao reconhecimento e à comprovação das exportações estabelecidas em regulamento do Poder Executivo federal, e os modos de prestação de serviços estabelecidos no âmbito do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços da Organização Mundial do Comércio.
4- Mais informações sobre o GATS podem ser acessados neste link.
5- O GATS delineia quatro modalidades de prestação de serviços: Modo 1 (Comércio Transfronteiriço) – a prestação é realizada a partir do território de um país para o território de qualquer outro país; Modo 2 (Consumo no Exterior) – a prestação é realizada dentro do território de um país para consumidores de qualquer outro país; Modo 3 (Presença Comercial) – a prestação é realizada dentro do território de um país através de presença comercial naquele mesmo território; e Modo 4 (Movimento de Pessoas Físicas) – a prestação é realizada pela presença de pessoas físicas de um país no território de outro país.
6- § 2º Nos financiamentos à exportação de serviços, as condições devem ser estabelecidas de acordo com as características de cada operação e ter como referência a prática internacional, na forma estabelecida em regulamento.
7- § 3º O valor máximo do financiamento à exportação de serviços estabelecido pelo BNDES será definido com base no valor do contrato comercial de exportação, o qual, em consonância com as melhores práticas internacionais, é considerado como o valor total a ser pago pelo importador pelos bens e serviços exportados, incluídas as exportações realizadas a partir de países terceiros e excluído o custo incorrido pelo exportador com bens e serviços adquiridos no país do importador.
8- § 4º É proibida, nos financiamentos à exportação de serviços, a concessão de novas operações de crédito entre o BNDES e as pessoas jurídicas de direito público externo inadimplentes com a República Federativa do Brasil, exceto nas hipóteses em que houver a formalização da renegociação da dívida.
9- § 5º O BNDES manterá atualizadas, em sitio público e de fácil acesso ao cidadão, informações financeiras sobre a carteira de financiamentos à exportação de serviços concedidos a pessoas jurídicas de direito público externo, observados os princípios da transparência e da publicidade, nos termos do disposto na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011.
§ 6º O BNDES deverá apresentar à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, anualmente, relatório com informações sobre a carteira de financiamentos à exportação de serviços concedidos a pessoas jurídicas de direito público externo, com a indicação do objeto, das condições financeiras, dos resultados para a economia brasileira e dos principais aspectos socioambientais avaliados.
10- Art. 3º-B Os custos incorridos pelo exportador com bens e serviços adquiridos no país do importador e as exportações realizadas a partir de países terceiros poderão ser financiados, conforme diretrizes e limites estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal, em consonância com as melhores práticas internacionais.