No dia 1º de junho deste ano entraram em vigor as Resoluções CVM nºs 182 e 183, de 11 de maio de 2023, que, após discussão no âmbito da Audiência Pública SDM 03/2021 e com vistas a aperfeiçoar os mecanismos de proteção aos investidores, modificaram as regras aplicáveis aos programas de Brazilian Depositary Receipts (BDR).
Os aprimoramentos promovidos, ao flexibilizarem o acesso a valores mobiliários emitidos no exterior, se alinham com a tendência mundial de internacionalização dos mercados, possibilitando maior diversificação dos investimentos e tornando o mercado local mais atrativo para investidores e companhias estrangeiras.
Os BDR são certificados de depósito de valores mobiliários emitidos no Brasil com lastro em ações, certificados de depósito de ações ou em valores mobiliários representativos de dívida listados ou admitidos à negociação em mercados organizados com sede no exterior[1]. Especificamente quanto aos BDR com lastro em ações ou certificados de depósito, as emissoras devem necessariamente ser estrangeiras. Constituem, portanto, mecanismo de acesso “indireto” aos valores mobiliários que servem de lastro aos certificados emitidos no Brasil.
Para que os BDR possam ser negociados em território brasileiro, os programas devem ser previamente registrados junto à CVM por uma instituição depositária sediada no Brasil que emite os certificados, garantindo que estejam devidamente lastreados nos respectivos valores mobiliários emitidos no exterior e que são mantidos em custódia também no exterior, em instituição financeira estrangeira autorizada a atuar pela entidade reguladora do mercado na respectiva jurisdição.
A nova Resolução 182/2023 trata do lastro dos BDR, seus níveis de classificação e registro dos seus respectivos programas, revogando a norma anterior (Instrução CVM 332/2000). Já a Resolução 183/2023, por sua vez, alterou, na Resolução 80/2022[2] (sobre registro de emissor e divulgação de informações) e na Resolução 160/2022[3] (sobre ofertas públicas de valores mobiliários e sua negociação no mercado) os dispositivos relacionados aos BDR, de modo a trazer maior segurança e clareza a respeito da aplicação da regulação para os investidores e emissores.
Os programas de BDR têm diferentes classificações, conforme a existência ou não de patrocínio do emissor estrangeiro e, ainda, conforme as características de divulgação de informações, distribuição e negociação.
Os programas patrocinados são aqueles criados por uma única instituição depositária contratada pelo próprio emissor dos valores mobiliários que servem de lastro para os BDR. Caso não haja a participação direta do emissor estrangeiro, os programas são considerados não patrocinados, podendo ser instituídos por um ou mais depositários.
Quanto às características de divulgação de informações, distribuição e negociação, os BDR classificam-se em três diferentes níveis – I, II e III. O primeiro não precisa de registro do emissor na CVM e para os demais impõe-se tal registro. Somente os BDR nível I podem ser não patrocinados. O que distingue os programas de BDR níveis II e III é, essencialmente, a imposição de restrições ao público-alvo da oferta para os BDR nível II.
Dentre as mudanças promovidas, destaca-se a substituição do conceito de “companhia aberta ou assemelhada” pela definição de “emissor estrangeiro”, exigindo-se uma série de requisitos específicos a serem atendidos por esse emissor para que possam os valores mobiliários servir de lastro para os BDR. Por exemplo, é exigido do emissor estrangeiro que: (i) os valores mobiliários que servem de lastro aos BDR sejam admitidos à negociação em mercado; (ii) mantenha registro junto a um supervisor local, a cuja supervisão se submeta; e (iii) tenha administração delegada, tendo como instância máxima um órgão colegiado.
A Resolução 182/2023 criou um regime informacional diferenciado para os emissores com programas de BDR patrocinado nível I que sejam classificados, em conformidade com as normas contábeis, como entidades de investimento[4]. Nessa hipótese, além de divulgar todas as informações que o emissor já está obrigado a divulgar (nos países de sua sede e em que o valor mobiliário é admitido à negociação, e as listadas no art. 7º da referida resolução[5]), a instituição depositária deve ainda informar, por exemplo, taxas cobradas para remuneração dos prestadores de serviços de administração e gestão, a relação de encargos que podem ser imputados ao emissor do BDR e seu limite máximo global por exercício social.
Quanto à Resolução 183/2023, notou-se uma flexibilização dos requisitos para obtenção de registro por emissor estrangeiro, eliminando-se as exigências relacionadas à localização geográfica dos ativos e receitas do emissor. Na regulamentação anterior, exigia-se que os emissores estrangeiros tivessem ao menos 50% de seus ativos e receitas no Brasil, o que representava uma barreira para o emissor.
Com a entrada em vigor da Resolução 183/2023, há três alternativas de enquadramento para obtenção do registro. A primeira determina que o emissor estrangeiro deve ter como principal mercado de negociação de valores mobiliários de sua emissão uma bolsa de valores com sede no exterior cujo supervisor local tenha celebrado com a CVM acordo de cooperação, ou seja signatário do memorando multilateral de entendimento da Organização Internacional das Comissões de Valores, e que seja classificada como “mercado reconhecido” no regulamento de entidade administradora de mercado organizado de valores mobiliários aprovado pela CVM[6].
A segunda alternativa dispõe que o emissor estrangeiro deverá, cumulativamente, ter sido emissor estrangeiro há mais de 18 meses, e, nos meses anteriores, ter mantido, ininterruptamente, ao menos 10% das ações representativas de seu capital social em circulação e montante médio diário igual ou superior a R$10 milhões na soma do volume financeiro de negociação no exterior de ações e de certificados de depósito de valores mobiliários lastreados em ações.
A última alternativa condiciona o emissor estrangeiro a demonstrar que tem sede em país cujo supervisor local tenha celebrado com a CVM acordo bilateral específico voltado a cooperação, troca de informações e aumento da efetividade das medidas de fiscalização e supervisão, inclusive das que digam respeito aos emissores de valores mobiliários sediados naquele país.
Com as novas medidas, espera-se que o mercado de capitais brasileiro se torne mais atrativo para o investidor estrangeiro.