Ontem, o presidente da República sancionou a Lei 14.754, que trata da tributação de rendimentos auferidos por pessoas físicas residentes e domiciliadas no Brasil em aplicações financeiras, entidades controladas e em trusts no exterior, e introduz regras sobre tributação de aplicações nos chamados fundos de investimento fechados ou exclusivos.
Considerando a data da publicação da Lei, as novas regras passarão a valer a partir de 1º de janeiro de 2024, com exceção da que prevê o pagamento do imposto sobre o total dos rendimentos acumulados até 31 de dezembro de 2023, à alíquota de 8%.
São as seguintes as principais regras previstas na nova lei:
Tributação de Pessoas Físicas em aplicações financeiras no exterior
1) Alíquota única do imposto sobre a renda, de 15%, sobre rendimentos recebidos de aplicações financeiras no exterior, independentemente do montante. Até então, tais rendimentos eram tributados às alíquotas progressivas de 15 a 22,5%.
2) Perdas auferidas em aplicações financeiras no exterior são compensáveis com ganhos, independentemente da natureza da aplicação.
3) Atualização de ativos detidos por pessoas físicas residentes e domiciliadas no país passa a ser tratada como ganho de capital sujeito à tributação nas declarações anuais, à alíquota de 8%.
4) Variação cambial de depósitos em moeda estrangeira permanece isenta para os que não sejam remunerados; moeda estrangeira em espécie permanece isenta até o limite de alienação no período-base de US$ 5 mil. Até então, variações cambiais de quaisquer ativos não eram tributadas.
5) Lucros apurados por entidades no exterior controladas por pessoas físicas residentes e domiciliadas no país:
a) lucros apurados até 31 de dezembro deste ano: tributados, à alíquota de 15%, somente quando distribuídos aos sócios; e
b) lucros apurados a partir de 1º de janeiro de 2024: tributados independentemente da distribuição, à alíquota de 15%, em 31 de dezembro de cada ano.
Até então, os lucros distribuídos eram tributados considerando a tabela progressiva, a alíquotas de zero a 27,5%.
6) Prejuízos fiscais apurados pela controlada no exterior a partir de 1º de janeiro de 2024 são compensáveis com lucros subsequentes.
7) Demonstrações contábeis de entidades controladas em paraísos fiscais deverão ser elaboradas segundo as regras brasileiras, obrigatoriamente; para as estabelecidas fora de paraísos fiscais, passa a ser permitida a adoção dos padrões internacionais de contabilidade (International Financial Reporting Standards – IFRS) ou mesmo as regras brasileiras.
8) A pessoa física residente e domiciliada no Brasil poderá optar por considerar a controlada no exterior como transparente para fins de tributação, ou seja, nessa hipótese, os ativos detidos pela controlada deverão ser considerados como diretamente detidos pela pessoa física; a novidade é que, além dos ativos, as obrigações da entidade também deverão ser declaradas à Receita Federal do Brasil.
9) Bens e direitos atribuídos a trusts no exterior passam a ser considerados como de titularidade do instituidor do arranjo até a distribuição ao beneficiário ou morte do instituidor, o que ocorrer primeiro; distribuição ao beneficiário do trust passa a ser qualificada como doação, se ocorrida durante a vida do instituidor, ou transmissão causa mortis, se decorrente de seu falecimento.
Tributação de Fundos de Investimento fechados/exclusivos
A principal inovação da lei diz respeito à tributação via “come-cotas” de cotistas de fundos fechados ou exclusivos.
Destacamos a seguir outras alterações promovidas pela Lei 14.754:
1) Regra geral de tributação de cotistas
Fundos abertos
Atualmente: come-cotas semestral (maio de novembro de cada ano); rendimentos sujeitos às alíquotas de 15% (fundos de longo prazo) e de 20% (curto prazo).
Rendimentos auferidos no resgate e na amortização de cotas, bem como liquidação do fundo, em novembro de cada ano: tributação às alíquotas de 15% a 22,5%, a depender do tempo da aplicação, sendo o tributo pago na sistemática do come-cotas antecipação do devido.
Com a Lei: mantida a sistemática atual.
Fundos fechados
Atualmente: sem come-cotas.
Tributação às alíquotas de 15% a 22,5%, a depender do tempo da aplicação.
Com a Lei: come-cotas (maio e novembro de cada ano); alíquotas de 15% (fundos de longo prazo) e de 20% (curto prazo).
Tributação complementar no resgate, amortização e alienação de cotas, bem como na liquidação do fundo, caso tais eventos ocorram antes dos meses de maio e novembro de cada ano: atingimento das alíquotas de 15% a 22,5%, a depender da composição da carteira e tempo da aplicação, sendo o tributo pago na sistemática do come-cotas mera antecipação do devido.
Em evento de amortização de cotas, a base de cálculo do IRF corresponderá à diferença positiva entre o montante amortizado e o custo (médio) de aquisição das cotas – o cotista transfere os recursos para pagamento do imposto ao administrador do fundo.
Caso o fundo de investimento tenha diferentes classes de cotas, cada classe será tratada como um fundo individual.
Para fins da tributação, usufrutuário de cota de fundo será considerado beneficiário dos rendimentos.
“Fundos de fundos” não estarão sujeitos ao come-cotas, desde que mantenham em suas carteiras investimento mínimo de 95% em fundos caracterizados como entidades de investimento.
2) FII e Fiagro
Atualmente: isenção do IRF sobre rendimentos auferidos por pessoas físicas em aplicações em fundos que tenham suas cotas negociadas em bolsas de valores ou no mercado de balcão, e que possuam, no mínimo, 50 cotistas.
Pessoas jurídicas estão sujeitas ao IRF, regra geral, à alíquota de 20%, nos eventos de alienação, resgate e amortização de cotas.
Sem come-cotas.
Com a Lei: para fins da isenção (pessoas físicas), passa a ser exigida composição do fundo por, no mínimo, 500 cotistas.
Demais regras atualmente em vigor seguem aplicáveis a esses fundos.
Sem come-cotas.
3) FIA, FIP e ETF de renda variável
Atualmente: tributação, à alíquota de 15%, nos eventos de resgate, amortização ou alienação de cotas.
Sem come-cotas.
Com a Lei: fundos com gestão profissional (entidades de investimento): tributação a 15% no resgate da aplicação. Mesmo tratamento aos fundos que invistam 95% ou mais de seus patrimônios em FIA, FIP ou ETF.
Sem come-cotas.
Fundos que não se caracterizem como entidades de investimento: antecipação do imposto via come-cotas (maio e novembro), com alíquota limitada a 15%. Poderão ser excluídas da base de cálculo do imposto receitas e despesas com participações societárias em coligadas ou controladas, as quais somente serão consideradas para tributação no resgate dos investimentos.
Para fins da tributação, são entidades de investimento os fundos com gestão profissional integrados por prestadores de serviços com poderes para tomar decisões de investimento e desinvestimento de forma discricionária.
4) FIDC fechado
Atualmente: resgate, amortização e liquidação são tributados às alíquotas de 15% a 22,5% (fundos de longo prazo) e de 15% a 20% (para os de curto prazo).
Sem come-cotas.
Com a Lei: discutível a aplicação do come-cotas para os fundos ilíquidos. Alíquotas de 15% para fundos de longo prazo e 20%, para os de curto.
Resgate, amortização de cotas e liquidação do fundo devem seguir as regras de tributação atuais.
5) Tributação do “estoque” de rendimentos – fundos fechados e os que não se enquadrem no conceito de entidades de investimento
Com a Lei, os rendimentos acumulados (estoque não realizado) até 31 de dezembro deste ano por fundos que não estavam sujeitos ao come-cotas e que passarão a estar a partir de 2024 serão tributados à alíquota de 15%. O imposto deverá ser pago até 31 de maio de 2024 ou em 24 parcelas mensais, acrescidas de juros Selic.
Cotista pessoa física residente no Brasil poderá optar pelo pagamento do imposto à alíquota de 10%. Sobre os rendimentos acumulados (não realizados) até junho de 2023, o pagamento deverá ser feito em até 4 parcelas mensais a contar de 21 de dezembro deste ano. Rendimentos remanescentes, em 31 de maio de 2024.
Os estoques dos FIP, FIA e ETF – renda variável não serão tributados.
6) Alguns dos fundos de investimento não alcançados pelo come-cotas
- FII;
- Fiagro;
- Fundos de investimentos em títulos públicos cujos cotistas sejam estrangeiros;
- FIP, FIEE, FIP-IE e FIP-PD&I;
- fundos de investimento com cotistas exclusivamente residentes ou domiciliados no exterior; e
- ETF – renda fixa.
7) Compensação de perdas – regra geral
Perdas apuradas nos eventos de amortização, resgate e alienação de cotas poderão ser compensadas somente com ganhos na distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou alienação de cotas do mesmo fundo ou em outro que seja administrado pela mesma pessoa jurídica, desde que o fundo esteja sujeito ao mesmo regime de tributação.
8) Investidores residentes no exterior – Resolução 4.373, do Banco Central do Brasil, de 2014
A princípio, os rendimentos auferidos por investidores estrangeiros permanecerão sujeitos ao IRF no resgate, à alíquota de 15%. FIA estará sujeito à alíquota de 10%.
Os critérios para apuração do custo de aquisição das cotas e compensação de perdas previstos na MP são aplicáveis àqueles rendimentos.
9) Fusão, cisão, incorporação ou transformação
A partir de 2024, fusões, cisões, incorporações ou transformações de fundos ensejarão IRF (alíquota aplicável ao cotista na data do evento), com as seguintes exceções:
– eventos realizados por FIA, FIP e ETF – renda variável;
– eventos realizados até 31 de dezembro de 2023, nos seguintes casos:
- o fundo alvo do evento não tenha estado sujeito ao come-cotas em 2023; e
- a alíquota aplicável aos cotistas do fundo resultante do evento seja igual ou maior do que aquela a que estavam sujeitos na data imediatamente anterior ao evento.
Os fundos que, em 28 de agosto passado, contiverem em seus regulamentos previsão de extinção/liquidação improrrogável até 30 de novembro de 2024 não estarão sujeitos ao come-cotas.
O Bocater Advogados segue à disposição dos interessados para esclarecer dúvidas sobre as novas regras.