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STF: são constitucionais decretos que prorrogaram antecipadamente contratos de transporte em São Paulo

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No último dia 21 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7048, que questionava os Decretos (SP) 65.574/2021 e 65.575/2021 relativos à prorrogação antecipada da concessão da prestação de serviço de transporte coletivo por ônibus e trólebus no Corredor Metropolitano de São Mateus e Jabaquara, no Estado de São Paulo. O STF concluiu, em um placar de 8 a 3, pela constitucionalidade dos decretos.

A prorrogação antecipada consiste no aumento do prazo da concessão antes do seu termo, sendo disciplinado, no âmbito federal, pela Lei nº 13.448/17, que também trata de relicitação. Dentre os elementos caracterizadores do instituto, o artigo 6º de tal lei determina que a prorrogação depende da inclusão de investimentos não previstos no contrato original à concessão. Por isso, foi incorporado ao contrato a gestão do ônibus de transporte rápido (BRT) e do Sistema Remanescente, composto por linhas intermunicipais alimentadoras e complementares da área de operação, ambos da mesma região.

A prorrogação antecipada já foi objeto de análise, em abstrato, pelo STF, no contexto da ADI nº 5991. Na época, foram levantadas dúvidas se a inclusão de novos investimentos no contrato não violaria o princípio licitatório e a competitividade, uma vez que as novas obrigações não estavam previstas no certame original.

A preservação do caráter original se traduz no ideário da imutabilidade do objeto licitado, que, nas últimas décadas, vem sendo flexibilizado na doutrina e jurisprudência em prol da eficiência e da economicidade. Isso porque a rigidez contratual – especialmente em contratos de longa duração, como os de licitações – pode gerar mais danos do que benefícios ao interesse público e à qualidade da prestação do serviço público em razão das mudanças fáticas e circunstâncias advindas com o passar do tempo.

Esse foi entendimento do STF no julgamento da ADI nº 5991, quando a Corte entendeu que o princípio da imutabilidade dos contratos não deve impedir adequações às necessidades econômicas e sociais decorrentes da condição do serviço prestado, especialmente em contratos de longo prazo, em que a atualização se mostra não apenas relevante, como necessária para manutenção da qualidade do serviço. Dessa forma, afastou-se o entendimento de que qualquer alteração nos contratos administrativos seriam uma violação ao princípio licitatório determinado no artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal.

Tal entendimento tem repercutido em outros órgãos do Poder Público, como no Tribunal de Contas da União (TCU), que recentemente utilizou tal conclusão como base argumentativa para sua posição na consulta sobre a possibilidade de desistência de processos de relicitação[1].

Naquele julgado, o Ministro Gilmar Mendes apresentou parâmetros à prorrogação antecipadas dos contratos que buscam compatibilizar a importância da mutabilidade dos contratos com os princípios constitucionais, em especial, da obrigatoriedade da licitação, definindo: (i) certificar que o contrato a ser estendido passou por um processo de licitação anterior; (ii) verificar se tanto o edital de licitação quanto o contrato original permitem a extensão; (iii) confirmar que a escolha de prolongar o contrato é feita de forma discricionária; (iv) a decisão deve ser sempre lastrada no critério da vantajosidade.[2]

Diante da jurisprudência do STF sobre o instituto, na ADI nº 7048, a Corte Constitucional ofereceu uma análise dos decretos à luz dos seus próprios parâmetros. A Ministra Relatora Carmen Lúcia votou pela inconstitucionalidade por violação à prévia licitação, legalidade, isonomia, moralidade e impessoalidade, pois entendeu que os decretos permitiram a ampliação do objeto da concessão pela incorporação do BRT a um contrato que originamente não previa essa modalidade de transporte, bem como em razão da incorporação do Sistema Remanescente, ou seja, novos trechos à prestação de serviço.

Alegou ainda que a imutabilidade do objeto da concessão não impede a realização de alterações contratuais para adequação às necessidades da dinâmica do serviço público, a exemplo do denominado investimento cruzado[3], o que não seria o caso na ADI 7048.

Para a Relatora, a inconstitucionalidade é reforçada pela existência de remuneração por tarifa decorrente dos dois sistemas de transporte público incorporados ao contrato de concessão pelos decretos (Sistema BRT e Sistema Remanescente), o que tornaria insustentável enquadrar esses serviços simplesmente como “novos investimentos” vide os novos recursos econômicos que o concessionário obterá advindo da exploração.

O Ministro Gilmar Mendes abriu divergência para reconhecer que os decretos estão de acordo com as balizas apresentadas na ADI 5991, garantindo vantagem para a Administração Pública. Para ele, não compete ao STF adentrar no mérito da decisão administrativa e, no caso, foram juntados aos autos estudos técnicos pelos órgãos competentes que justificavam a vantajosidade modelagem.

Reconheceu também que a assunção de novas obrigações de investimento em malhas do interesse da Administração Pública não desfigura o objeto do contrato de concessão original. Portanto, sendo o contrato de concessão um acordo bilateral que opera no interesse da Administração Pública, nada impede que, de forma acessória à obrigação principal, sejam também pactuadas novas obrigações.

O Ministro Alexandre de Moraes acompanhou a divergência, completando que os órgãos de controle devem observar a efetiva vantajosidade e interesse público no caso a caso à luz dos requisitos delimitados na ADI 5991. Para o Ministro, a prorrogação antecipada do contrato de concessão é uma alternativa legítima à licitação, que traz vantagens à Administração Pública e tem o condão de qualificar a prestação de serviço público essencial à população. No caso, também identificou a observância dos requisitos da ADI 5991.

Como se vê, a posição majoritária do Plenário do STF foi no sentido de que não cabe à Corte Constitucional realizar a análise da vantajosidade da prorrogação, o que não significa que toda e qualquer prorrogação se mostrará constitucional[4]. Para isso, se faz necessária a observância de todos os parâmetros definidos na ADI 5991, os quais buscaram, justamente, encontrar uma solução de compromisso entre a necessária atualização de contratos de longo prazo – para atendimento concreto e qualitativo do interesse público -, junto ao respeito à licitação, que busca garantir a competitividade e impessoalidade nas contratações públicas.

O instituto da prorrogação antecipada se mostra um instrumento relevante – e constitucional – para o aumento da qualidade da prestação dos serviços públicos, de modo a incorporar no funcionamento da Administração Pública soluções dinâmicas frente às dificuldades que surgem com o passar do tempo da concessão e das necessidades de atualização dos projetos de investimentos alinhado com a busca de soluções mais rápidas e econômicas.

A equipe de Direito Público do Bocater Advogados seguirá acompanhando o tema e se coloca à disposição para esclarecimentos adicionais sobre o assunto.

 

[1] TC nº 008.877/2023-8.
[2] Nesse sentido, em 25 de agosto de 2023, o Ministério de Transportes publicou a Portaria nº 848 definindo procedimentos para a readaptação e otimização dos contratos de concessão rodoviários. Nela, definiu premissas para estudos que busquem fundamentar a vantojosididade da prorrogação, os quais passaram por uma análise técnica de admissibilidade. Ao final, os estudos serão encaminhados à nova Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos do TCU para considerações.
[3] “os concessionários são autorizados, como contrapartida, a realizar investimentos em malha ferroviária própria ou nas de interesse da Administração Pública, substituindo-se a obrigação de pagar por obrigação de fazer: é o denominado investimento cruzado. […] No investimento cruzado, não se tem alteração do objeto da concessão, mas alteração contratual para adequar-se às necessidades mutáveis do interesse público. Cuida-se de medida política com o objetivo de propiciar a integração da rede ferroviária que ultrapassa os limites específicos de cada concessão, garantir maior agilidade na execução de obras nas malhas ferroviárias e incrementar investimentos na deficitária malha ferroviária brasileira.” (STF, ADI nº 5991).
[4] Na TC nº 008.877/2023-8, o TCU definiu que deverá ser realizado “estudo de vantajosidade” para comprovar a vantagem na manutenção da concessão, o qual deverá abarcar, por exemplo, o reestabelecimento das garantias contratuais.

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