O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu julgamento sobre a possibilidade de partilha dos valores depositados em plano de previdência complementar fechada em razão de dissolução de matrimônio. Com o trânsito em julgado do caso[1], trazemos algumas reflexões sobre o tema, que certamente desafia grandes debates nos tribunais.
O caso refere-se ao Recurso Especial nº 1.545.217/PR, interposto em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que entendeu pela natureza personalíssima de valores vertidos para planos de benefícios administrados por Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC). Em resumo, o Tribunal do Paraná entendeu que, se tais valores não forem sacados durante o vínculo conjugal, o caráter previdenciário determina que não ocorra a partilha entre ex-cônjuges.
A quarta Turma do STJ proclamou o resultado do julgamento após o voto-desempate do ministro Marco Buzzi, que acompanhou a divergência instaurada pela ministra Maria Isabel Gallotti e entendeu pelo desprovimento do recurso.
Foram vencidos o ministro relator Luis Felipe Salomão e o ministro Antonio Carlos Ferreira, que entenderam não ter relevância para a solução da controvérsia a circunstância de a previdência privada ser mantida em entidade fechada ou aberta, pois a questão central residiria no fato de os valores terem ou não sido resgatados. Com isso, a posição, que determinou o empate entre as teses, foi de que, enquanto não levantados os valores, estes conservariam a natureza personalíssima e, portanto, seriam incomunicáveis. Contudo, caso houvesse o resgate, mesmo em momento posterior à extinção da vida conjugal, o valor das reservas em plano de benefícios complementares deveria integrar o patrimônio comum dos ex-cônjuges e objeto de partilha.
No voto-desempate, o ministro Marco Buzzi lembrou que “ no segmento fechado de previdência complementar, o tratamento legal é peculiar dado que as entidades fechadas atuam de forma complementar à Previdência Social, sujeitas ao controle e fiscalização da Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC e do Conselho de Gestão da Previdência Complementar – CGPC, sendo constituídas sob a forma de fundação ou sociedade civil (LC 109/2001, art. 31, § 1º), sem intuito de obter lucro, tendo por objeto exclusivamente a administração de planos de benefícios de natureza previdenciária em prol de empregados e servidores públicos de determinada empresa ou ente estatal ou associação, para os quais tenham autorização do órgão regulador (LC 109/2001, art. 32)”.
Por consequência, na visão do voto-desempate, os recursos vertidos aos planos das entidades fechadas devem ser analisados segundo a lógica precípua dos fundos de previdência, isto é, “a de constituir um acervo financeiro a ser utilizado apenas no momento da aposentadoria dos participantes, tendo, portanto, nítido caráter previdenciário, em oposição aquele de investimento/aplicação financeira próprio das entidades abertas”.
O ministro Buzzi pontuou que há conceito específico de resgate no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, com regras restritivas que impedem sua utilização a qualquer tempo, justamente visando coibir eventual pretensão de utilização desses recursos para finalidade diversa da “precípua proteção previdenciária para a qual foi concebida”.
Com isso, prevaleceu, por apertada margem, a tese de que os valores resgatados de plano de benefícios administrado por entidade fechada de previdência complementar não integram o patrimônio comum dos cônjuges casados sob os regimes da comunhão universal ou parcial de bens, nos termos do art. 1.659 do Código Civil.
Cabe aqui esclarecer uma particularidade adicional do caso: o recorrido (vencedor) já estava em gozo do benefício complementar quando da separação e o resgate decorreu de retirada do patrocínio, o que impôs o recebimento, de uma só vez, dos valores debatidos na ação.
Os argumentos trazidos pelos ministros demonstram a relevância do tema para sociedade e enriquecem o debate empreendido por estudiosos e aplicadores do direito, sendo evidenciada a possibilidade de diferentes soluções conforme cada caso concreto. Continuaremos o acompanhamento dos reflexos do julgamento, principalmente diante da flexibilização das regras de resgate, ocasionada recentemente pela promulgação da Resolução nº 50 do Conselho Nacional de Previdência Complementar, em 16 de fevereiro de 2022, que certamente aquecerá este debate diante do surgimento de novas situações jurídicas.
O debate jurídico relacionado ao tema é desafiador e segue discussões já havidas em tribunais de outros países, nos quais as reservas em fundos de pensão possuem grande dimensão. O cenário brasileiro, sobretudo em razão da contínua ampliação da cobertura previsional da previdência complementar e tendência de maior proximidade entre entidades abertas e fechadas, como se observa da Resolução CNPC nº 50, de 16 de fevereiro de 2022, são elementos que contribuirão para um incremento da discussão.
[1] Em 07 de março de 2022.