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TCU determina que estatais não dependentes devem observar os salários da iniciativa privada

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O Tribunal de Contas da União (TCU), por meio do Acórdão nº 728/2019 – Plenário, fixou o entendimento de que a remuneração dos dirigentes e empregados de empresas estatais não dependentes de recursos do Tesouro Nacional deve observar os padrões remuneratórios praticados pela iniciativa privada.

Segundo disposto no art. 37, §9º, da CRFB/1988[1], as empresas estatais não dependentes, ou seja, que não recebem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos municípios para o pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral, não se submetem ao teto remuneratório fixado pelo inciso XI do mesmo artigo[2], uma vez que são regidas pelo regime jurídico próprio das empresas privadas.

No entanto, quando do julgamento do caso, o TCU apontou que tais empresas não se eximem de observar os princípios da moralidade e a garantia da razoabilidade das remunerações aplicáveis à Administração Pública, e, que, portanto, devem levar em consideração o nível salarial praticado por empresas similares que atuam no setor privado (aquelas de porte similar com atuação no mesmo setor econômico).

Naquela oportunidade, os ministros também decidiram que as empresas públicas e de economia mista, dependentes e não dependentes dos recursos do Tesouro Nacional, devem atender ao dever de transparência em relação à divulgação da remuneração dos administradores, conselheiros fiscais e empregados, por força do disposto no art. 12, inciso I, da Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016[3]), combinado com o art. 19, inciso I, do Decreto nº 8.945/2016[4].

A decisão foi proferida no âmbito do Relatório de Levantamento (RL), autuado sob o número 023.687/2017-7, de relatoria do ministro Vital do Rêgo. Em linhas gerais, tal processo foi instaurado pela Secretaria de Fiscalização de Pessoal (SEFIP) com o objetivo de coletar informações sobre os valores de remuneração de dirigentes e empregados das empresas públicas não dependentes a fim de analisar a razoabilidade e a compatibilidade desses valores com aqueles praticados por empresas integrantes do setor privado e de dar efetividade às normas de transparência e divulgação das remunerações, nos termos da Lei nº 13.303/2016 e de sua norma regulamentadora, o Decreto nº 8.945/2016.

O levantamento de auditoria, realizado pela SEFIP, apontou a existência de uma incompatibilidade entre os valores de remuneração apresentados pelas empresas estatais e o setor privado. A principal conclusão apresentada pela Unidade Técnica é que o salário dos dirigentes das empresas estatais é consideravelmente inferior aos salários praticados no setor privado, e que o salário dos empregados das empresas estatais é consideravelmente superior aquele implementado no âmbito das empresas privadas.

Para reduzir a manifestação de eventuais vieses e distorções, a SEFIP, quando da realização do comparativo entre as empresas estatais e privadas, estabeleceu parâmetros de comparação baseados na região geográfica, no setor econômico associado, no porte das empresas, na ocupação das pessoas e na restrição da análise às ocupações que possuíam ao menos cinco empregados na estatal e dez empregados no mercado privado. Com esta metodologia, a Unidade Técnica aferiu que, aproximadamente, 86% das remunerações das estatais são superiores àquelas observadas no setor privado.

Diante deste cenário e frente a tramitação da PEC nº 58/2016 no Senado – que pretende alterar o texto constitucional, de modo a submeter as remunerações praticadas pelas empresas estatais, dependentes e não dependentes, ao teto constitucional – o TCU recomendou a adoção de uma postura mais ativa por parte da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST), notadamente em relação a manifestação prévia da entidade, em relação à remuneração dos administradores e membros da alta administração das empresas estatais[5].

Em relação à atuação da entidade, o TCU determinou a audiência dos gestores da SEST por indícios de irregularidades relativas à permissão do pagamento de salários em valores superiores à prática do mercado e referentes à ausência de exigência, por parte das empresas estatais, da observância ao dever de transparência e publicidade das despesas relacionadas à remuneração.

Com relação à transparência na divulgação dos valores de remuneração, apesar de reconhecer os impactos desta obrigação sobre a livre concorrência, o ministro relator defendeu a aplicação, indistinta, das previsões da Lei das Estatais a todas essas empresas estatais, em razão da necessidade de observância ao princípio da publicidade.

Para além da relevância da tese fixada pelo Tribunal, destaca-se a interpretação ampliativa do conceito de empresas estatais dependentes, efetivada pelo ministro Walton Alencar em sua declaração de voto. De acordo com ele, mesmo as estatais não dependentes são “extremamente dependentes de recursos públicos para assegurar a sua suposta autonomia” e, portanto, caberia a SEST a revisitação do enquadramento daquelas empresas estatais que receberam aportes de capital da União (nos termos do Acórdão nº 937/2019).

A definição de estatal dependente, no entanto, é aquela positivada no artigo 2º, inciso III, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), segundo o qual, entende-se como empresa estatal dependente, a empresa controlada que recebe do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária.

O correto enquadramento de uma empresa estatal nessas categorias é relevante na medida em que as estatais não dependentes, por serem autossustentáveis, são dotadas de maior autonomia gerencial para a determinação da remuneração de seus dirigentes, o que garante a possibilidade de competição dessas entidades com as demais empresas privadas atuantes no setor.

 

[1] CRFB/88 – “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 9º O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral”.

[2] CRFB/88 – “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)”.

[3] Lei nº 13.303/16 – “Art. 12. A empresa pública e a sociedade de economia mista deverão: I – divulgar toda e qualquer forma de remuneração dos administradores”.

[4] Decreto nº 8.945/2016 – “Art. 19. A empresa estatal deverá: I – divulgar toda e qualquer forma de remuneração dos administradores e Conselheiros Fiscais, de forma detalhada e individual”.

[5] Decreto nº 9.745/2019 – A Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST), vinculada à Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, tem por finalidade: i) remuneração, incluída a parcela variável, dos administradores, dos liquidantes, dos Conselheiros e dos demais membros estatutários remunerados; (Redação dada pelo Decreto nº 10.072, de 2019); XII – instruir o voto da União em assembleia geral sobre a fixação da remuneração dos administradores, dos liquidantes, dos conselheiros e dos membros dos demais órgãos estatutários das empresas estatais federais, inclusive dos honorários mensais, dos benefícios e da remuneração variável, observado o disposto no art. 16 da Lei nº 13.303, de 2016, e nas diretrizes da Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União; (Redação dada pelo Decreto nº 10.072, de 2019)”.

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